Embora com sentidos de voto distintos, Esquerda e Direita parlamentares juntaram-se nas críticas ao primeiro-ministro, que acusam de privilegiar interesses pessoais.
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Ainda que chumbada (com abstenções de PS e Chega, votos favoráveis de PCP, BE, PAN e Livre, e votos contra de PSD, CDS e IL), a moção de censura da bancada comunista - hoje discutida e votada no Parlamento - valeu a pena porque “obrigou o Governo a vir a jogo”, disse Paulo Raimundo, notando “as dificuldades” de Montenegro em “esclarecer o que não tem esclarecimento” e defendendo que “a questão não é saber o que o primeiro-ministro vai fazer”, mas sim o que fez até agora e “não podia”.
Nas suas várias intervenções, o Partido Comunista alegou que o executivo perdeu credibilidade para governar e criticou a posição socialista, que, ao abster-se na votação, deixou que a moção de censura caísse (seguir-se-á agora a moção de confiança já anunciada por Montenegro). “Não foi o PCP que mordeu o isco, foram outros que caíram no truque do Governo” e optaram pelos “taticismos”, argumentou Raimundo, dizendo não ter tempo para “calculismos”: “Ou se condena o Governo ou se lhe dá a mão e se salva.” A “boia de salvamento” do PS “saiu furada”, acrescentou o deputado António Filipe.
Também pelo PCP, Alfredo Maia disse, por seu turno, que se comprova que os comunistas tinham razão quando tentaram rejeitar o programa da “direita revanchista” e acusou o PSD de continuar a política de “favorecimento fiscal aos grupos económicos”, além de desinvestir nos serviços públicos e nas funções sociais do Estado. “O Governo deve cessar aqui a sua função nefasta”, concluiu.
Alinhada com os comunistas, no discurso e no sentido de voto, Mariana Mortágua também apontou a falta de condições para Montenegro continuar no cargo: acusou-o de se furtar ao escrutínio dos jornalistas e da oposição, optando por "mandar os seus ministros para as televisões para responderem por si", e disse que nada explicou.
“Não conseguiu refutar o essencial: que recebeu avenças através da empresa quando já era primeiro-ministro”, resumiu a bloquista, acusando o Executivo de confundir "interesses privados com o interesse público" e Montenegro de confundir “o interesse particular com o interesse do país”, preferindo “ir a eleições a dar explicações” numa comissão parlamentar de inquérito.
Do lado da Iniciativa Liberal, o partido da oposição politicamente mais próximo do PSD, as críticas foram duras, embora o voto tenha sido favorável ao Governo. “Entre a Spinumviva e o país, Montenegro escolheu a Spinumviva”, disse Rui Rocha, acrescentando que o primeiro-ministro poderia ter admitido o erro e decidir-se pelo fecho ou transmissão da empresa, mas não o quis fazer. “Não quis resolver o problema, nem quando já era tarde mas ainda podia”, concluiu, acusando o chefe de Governo de ser o “principal foco de instabilidade".
Do lado do PAN, Inês Sousa Real concordou que “há demasiados eventuais por esclarecer” e considerou que o primeiro-ministro "continua a jogar com as probabilidades", sem que estas joguem a seu favor. Questionou ainda o motivo pelo qual Montenegro "pede uma auditoria quando a Entidade para a Transparência não tem poderes nem meios para isso".
Pelo Livre, Rui Tavares considerou que a moção de confiança a apresentar pelo Governo é uma "mera formalidade", deixando um desafio a Montenegro: "Porque não se demite já?". Para o dirigente do partido, a crise é responsabilidade “única e exclusiva” do primeiro-ministro, pelas suas “decisões e omissões". "Podia tê-la resolvido ou evitado de várias maneiras", referiu: poderia, por exemplo, ter encerrado a empresa ou optado por entregá-la a uma gestão independente. "Já poderia ter esclarecido tudo o que veio a lume. Não resolveu antes porque não podia, porque sabia que esse conflito de interesses colocava em causa a sua capacidade de continuar a liderar o Governo", acusou.
E pelo Chega - que a par do PS se absteve na votação -, André Ventura denunciou a "cultura de arrogância e impunidade" que está a levar a uma crise política, acusando Montenegro de, por temer o escrutínio parlamentar, ter feito uma "fuga para a frente" ao anunciar a moção de confiança. "Esta bancada jamais lhe dará qualquer voto de confiança para ser primeiro-ministro", garantiu.