Primeiro-ministro passa a empresa aos filhos e ameaça com moção de confiança para garantir continuidade do Governo. Moção do PCP será chumbada pelo PS.
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A noite foi longa, mas acabou como começou. O Governo de Luís Montenegro deverá resistir à segunda moção de censura em poucos dias, com a “ajuda” do PCP e do PS, afastando a dissolução do Parlamento e as quintas eleições legislativas em dez anos.
Depois do primeiro-ministro passar frontalmente responsabilidades sobre o futuro do Executivo para as mãos dos partidos da Oposição, ameçando-os com uma moção de confiança, o PCP não hesitou e anunciou uma nova moção de censura ao Governo, depois da apresentada pelo Chega.
Com as cartas na mão, Pedro Nuno Santos vincou que chumbará as duas moções e exortou o primeiro-ministro a ter coragem para assumir as consequências do caso à volta da empresa familiar e a não transferir para o “Parlamento uma decisão que é só sua”.
Já depois da intervenção do líder socialista, o ministro das Finanças, Miranda Sarmento, afastou o cenário da apresentação de uma moção de confiança, uma vez que o “chumbo de duas moções de censura” dão ao Governo da AD “as condições necessárias para governar”. Do ponto de vista das ilações pessoais, Montenegro passou a Spinumviva para a alçada dos filhos e assegurou que a consultora deixará de ter sede na sua habitação familiar, em Espinho. Em silêncio continua o presidente da República.
Após estar reunido ao longo de duas horas com o núcleo duro do PSD e depois de um Conselho de Ministros relâmpago, o primeiro-ministro começou a declaração ao país, sem direito a perguntas dos jornalistas, a afirmar que prestou todos os esclarecimentos possíveis, acusando a Oposição de querer alimentar “um ciclo vicioso” de polémicas.
Nem crime, nem falha ética
Num discurso com pouco mais de 15 minutos, Montenegro reafirmou que não cometeu “nenhum crime, nem nenhuma falha ética”. Garantiu que nunca cedeu a nenhum interesse “particular” em detrimento do bem comum.
Seguro de que encerrará todas as polémicas, sem ter adiantado mais explicações sobre a empresa, defendeu a família e anunciou a decisão pessoal de entregar totalmente aos filhos a Spinumviva. “Deviam os meus filhos ficar inibidos de dar seguimento ao que criaram comigo só porque me encontro nesta situação? Pergunto a mim próprio se tenho o direito de privar os meus filhos de trabalhar por causa da minha atividade política”, notou.
Ladeado por todos os ministros, lembrou que o país “está em movimento”, que os indicadores económicos apontam que Portugal “está forte e recomenda-se”, não sendo altura para uma nova crise política.
“Estou aqui desde a primeira hora em exclusividade total de dedicação à função de coordenação da ação do Governo e da representação de Portugal. Assegurei, com os membros do Governo, sempre a estabilidade política”, garantiu.
Escrutínio saudável
Ainda assim, notou que não vai fugir às “responsabilidades”, mostrando-se disponível para um “escrutínio saudável e democrático”. “Só estaremos cá com a vossa confiança e com a vossa legitimação”, sublinhou. E, virando mais uma vez a agulha para os partidos da Oposição, deafiou-os a declararem “sem tibiezas” se consideram que o “Governo dispõe de condições para continuar a executar o programa do Governo”. “Sem essa resposta, a clarificação política exigirá a confirmação dessas condições no Parlamento”, acrescentou, aludindo à moção de confiança, descartada no final da noite pelo núcleo duro do PSD, após a reação do PS.
Marcelo Rebelo de Sousa assistiu ao discurso no Palácio de Belém, mas está sem falar ao país desde quinta-feira.
Dias agitados
15.02.2025 - Empresa familiar
Foi noticiado que a mulher e os filhos de Luís Montenegro detêm a Spinumviva, com sede na casa do primeiro-ministro, em Espinho. A empresa foi constituída em janeiro de 2021, tendo Montenegro renunciado à gerência a 30 de junho de 2022, após ser eleito presidente do PSD. O chefe do Governo vendeu as quotas à mulher, explicou na altura.
19.02.2025 - Sócio maioritário
São revelados novos pormenores sobre a polémica. Montenegro, alegadamente, está em potencial conflito de interesses uma vez que a venda da quota do primeiro-ministro à mulher é considerada nula pelo Código Civil. Montenegro é o sócio maioritário e dono da Spinumviva. A Oposição exige mais esclarecimentos ao primeiro-ministro.
21.02.2025 - Moção de censura
Face ao silêncio de Montenegro, o Chega anunciou a primeira moção de censura a este Governo. Durante o debate, Pedro Nuno Santos exigiu a lista dos clientes da Spinumviva, os serviços prestados e os trabalhadores da empresa, mas sem sucesso. Ainda assim, a iniciativa foi rejeitada.
28.02.2025 - Solverde é cliente
É conhecida a avença mensal de 4500 euros da Solverde à Spinumviva. Horas depois, é divulgada a lista dos clientes com “vínculo permanente” à sociedade.