Contra o glifosato, limpar, limpar. Em Mindelo, Vila do Conde, a Junta de Freguesia desafiou a população a "adotar" a sua rua e assegurar o corte manual das ervas daninhas. Evita-se, assim, o recurso ao herbicida.
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"É um projeto dois em um: ajudamos o ambiente e reforçamos o espírito de comunidade. E, se cada um fizer um bocadinho, é num instante", atira, entusiasmada, Sofia. Ela e a irmã, Inês, "adotaram" a Rua Professor Guimarães. Palmira, uma das vizinhas, já se juntou aos Silva. E, ali, no coração de Mindelo, em Vila do Conde, já se trabalha a todo o vapor. As mãos substituem o glifosato. A saúde e o ambiente agradecem.
Para evitar a utilização do herbicida, a Junta de Freguesia lançou o projeto "Adote uma rua". Se cada um ajudar a limpar a sua, é possível não recorrer aos químicos que, de outra forma, se tornavam inevitáveis no combate às ervas daninhas. "O glifosato é, sem dúvida, o mais rápido e o mais económico. Para nós, Junta, que temos uma área grande e apenas três cantoneiros, é a única forma de manter as ruas limpas. Mas, se todos ajudarem, a parte que nos cabe é menor e já conseguimos limpar de forma manual e sem recurso a químicos", explicou, ao JN, o presidente da Junta, Cláudio Matos.
Consciensalização ambiental
Aos 26 anos, o jurista assumiu a Junta há seis meses e, numa freguesia que tem, "orgulhosamente", o pulmão do concelho e a mais antiga área protegida do país - a Reserva Ornitológica de Mindelo (ROM) -, sentiu que a consciencialização ambiental é "ainda mais importante".
A aplicação de glifosato nas ruas para exterminar ervas daninhas era, por ali, prática corrente, como em quase todos os concelhos do país. A discussão sobre a causa-efeito entre o uso do "veneno" e alguns tipos de cancro está longe de ser consensual, mas a verdade é que há dúvidas e muitas.
Além do mais, em quatro a cinco aplicações por ano, que eram habitualmente feitas, havia sempre "salpicos" a atingir campos agrícolas (matando outras culturas) e quem temesse pelos efeitos no seu animal de estimação.
Discussões científicas à parte, quanto mais não seja pelo bem do ambiente, diz Cláudio Matos, o recurso a produtos químicos "é sempre de evitar". E, por isso mesmo, há 15 dias lançou o "Adote uma rua". Apostou nas redes sociais, para cativar os mais jovens e, uma semana depois, tinha já uma dezena de ruas com novo "dono".
Convencer os vizinhos
Em muitas das artérias da freguesia - a do Norte é apenas um exemplo - os mais velhos já limpavam em frente às respetivas casas. Agora, os mais novos aceitaram o desafio.
"A nossa rua é inclinada e sem saída. A nossa casa é ao fundo. O vento arrasta tudo para ali e, por isso, já limpávamos à nossa porta. Agora, é "oficializar" a coisa e convencer os vizinhos", conta, sorrindo, Inês Silva, estudante, de 17 anos. Sofia, técnica de análises clínicas e saúde pública, tem 23. São as mais jovens da rua. Sentiram que deviam "dar o exemplo". A Palmira - avó "adotada" das duas irmãs - já se juntou e, enxadas, vassouras, sacos e baldes na mão, aproveitam o sábado de manhã para limpar a rua.
"Se ninguém limpar, as ervas entopem as sarjetas e a rua inunda", diz a mulher de 73 anos, contente por ver "as duas catraias" empenhadas em "pôr a rua bonita".
"As pessoas são muito individualistas: limpam à sua porta, vivem "para dentro", não convivem com os vizinhos", frisa Sofia, que acredita que, à boleia do projeto, o espírito de comunidade e interajuda "vai surgir naturalmente". E, brio e rivalidade à mistura, "ninguém vai querer ter a rua mais feia do que a do lado". Na Rua do Carvalhal, António Costa e um vizinho já costumavam limpar. Agora, acredita, vão "motivar-se uns aos outros".
O glifosato é algo arriscado e, além disso, é bom que se pensem novas iniciativas mais amigas do ambiente
Mais abaixo, já quase junto à praia, uma outra Inês - a Terroso - "adotou" a Travessa de S. Pedro. "O glifosato é algo arriscado e, além disso, é bom que se pensem novas iniciativas mais amigas do ambiente", diz a fisioterapeuta de 22 anos. Escuteira desde pequenina, já dava, todos os anos, uma ajuda na limpeza das praias no âmbito do projeto "Uma maré de pequenos heróis". Agora, cuidar da sua rua é "mais ou menos o mesmo".
Ao lado de casa, Inês tem um terreno abandonado. Apanhar o lixo que ali se acumula já é uma das suas tarefas. Agora, juntou-lhe arrancar as ervas daninhas que crescem nas bermas. A mãe, Helena, ajuda e a vizinha também. Ali a dois passos, a tia, Lurdes Silva, "adotou" a Rua de Munique e, se for preciso, Inês vai lá dar uma ajuda e quem sabe se outros vizinhos não irão juntar-se.
Na Rua de S. Pedro, seis voluntários asseguram, agora, a limpeza. O mesmo grupo adotou também a Rua Alberto Mesquita.
Arrancam-se as ervas daninhas que crescem entre os paralelos e nas bermas, cuida-se dos canteiros - caso queiram, os moradores podem até decidir que flores plantar -, apanha-se o lixo. Cláudio Matos vê com satisfação a adesão dos mindelenses. De tal forma que o prazo de inscrição - inicialmente fixado até final de julho - foi alargado. Um pequeno passo no caminho de uma cidadania ativa que, acredita, pode inspirar outras freguesias.