Covid-19 é responsável por quase 70% do excesso, mas calor também tem influência. DGS apela a reforço de cuidados.
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Desde o início do ano e até anteontem já morreram mais 8327 pessoas do que na média dos últimos cinco anos anteriores à pandemia. Este aumento de 11% corresponde a mais 36 mortes diárias, o que é justificado pelos especialistas com a covid-19, com as vagas de calor e com os doentes crónicos que não foram seguidos. Aproxima-se uma nova vaga de calor e a a Direção-Geral de Saúde (DGS) já apelou ao reforço de cuidados.
Entre 1 de janeiro e 16 de agosto, morreram 80 907 pessoas em Portugal, segundo os dados da plataforma de vigilância da mortalidade da DGS. Trata-se de um aumento de 11% face à média de mortes ocorridas no mesmo período entre 2015 e 2019. O aumento de 8 327 mortes face ao período pré-pandemia é, desde logo, justificado pelos 5781 óbitos por covid-19 ocorridos este ano. Ou seja, a covid-19 representa cerca de 70% do excesso de mortalidade, mas falta saber quais as causas dos restantes 30%.
Bernardo Gomes, médico especialista em saúde pública e membro do grupo de aconselhamento do Governo para a gestão da pandemia, explica que os efeitos da covid-19 na mortalidade não são só os imediatos. "São também os efeitos pró-trombóticos e efeitos imunossupressores" que se podem revelar vários dias ou meses após a infeção e podem contribuir para o excesso de mortalidade que se está a verificar em 2022.
atingiu os mais idosos
Outro fator que parece reunir consenso entre os especialistas é o calor. "Sabemos que estas ondas de calor trazem sempre mortalidade acrescida junto dos mais idosos", confirma Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. Esta explicação é confirmada pelos dados do EuroMomo, o organismo que monitoriza a mortalidade na Europa, que demonstram que o excesso de mortalidade verificado em 2022 em Portugal atingiu mais os maiores de 85 anos. Confirma-se ainda que as duas maiores ondas de calor deste ano, nas primeiras duas semanas de junho e julho, correspondem aos períodos em que o excesso de mortalidade foi maior. Os meses de junho e julho são ainda os que registam maior aumento de óbitos face à média de 2015-2019 (ver infografia). Esta circunstância levou a DGS a emitir recomendações para a onda de calor que se espera para os próximos dias (ler ao lado).
Maior aumento da Europa
Outra razão que pode justificar o excesso de mortalidade é a eventual falta de acompanhamento dos doentes crónicos. "Nos últimos dois anos, não fomos capazes de fazer um acompanhamento e um controlo adequado dos nossos doentes crónicos devido às atenções na covid-19", argumenta Gustavo Tato Borges. Faltou "rastreio e controlo de doenças crónicas", completa Bernardo Gomes.
Ontem, o Eurostat revelou que Portugal registou, em junho, o maior excesso de mortalidade da União Europeia (UE). Foram mais 23,9% de óbitos do que na média dos meses de junho no período 2016-2019. É um aumento quase quatro vezes superior àquele que foi registado na UE, de 6,2%.
Portugal pode entrar na sétima onda de calor deste ano
O ano de 2022 poderá entrar, dentro de dias, na sétima onda de calor do ano, igualando o de 2017 com o maior número de ocorrências numa década, pois o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) prevê que, amanhã ou sábado, as temperaturas subam muito no Norte e Centro.
Na definição da Organização Meteorológica Mundial, ocorre uma onda de calor quando, num intervalo de pelo menos seis dias consecutivos, a temperatura máxima diária é superior em cinco graus Celsius ao valor médio diário no período de referência. Neste ano, já aconteceu seis vezes.
O problema foi enfatizado ontem pelo presidente do IPMA, após a visita do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, à instituição, para avaliação dos riscos para os fogos.
"O perigo de incêndio rural em Portugal ainda está a meio da campanha. Passámos uma onda de calor de grande intensidade, que chegou a temperaturas que rondaram os 50 graus; passámos uma segunda onda com menos intensidade, mas mesmo assim com grande impacto", disse Jorge Miguel Miranda, referindo-se às mais severas de junho e julho. "E vamos passar uma terceira, provavelmente dentro de dias.".
Segundo os boletins climatológicos mensais, em janeiro registou-se a primeira onda em oito estações meteorológicas, com duração de seis a nove dias. Em fevereiro, a segunda, de seis dias, ocorreu em duas. Entre 3 e 14 de maio, a terceira, em 44 estações, com durações de seis a 12 dias. Em junho, entre os dias 9 e 17, ocorreu a quarta em 37 estações, durante seis a dez dias. E entre 2 e 18 de julho, a quinta em 37 estações (seis a 16 dias).
A sexta onda ocorreu de 29 de julho a 14 de agosto, com duração entre seis e 16 dias nos distritos de Bragança, Vila Real e Guarda, em onze estações, indicou ao JN Vanda Pires, da Divisão de Clima e Alterações Climáticas do IPMA.
Setembro muito quente
Desde a década de 1990 e sobretudo neste século, é maior a frequência de ondas de calor. O ano com mais registos no último decénio foi 2017, com sete.
As previsões para este ano não tranquilizam, apontando para "um setembro com uma probabilidade de 50% a 60% mais quente que o normal e 40% a 50% mais seco que o normal", acrescenta Vanda Pires. E "os cenários futuros indicam a continuação do aumento da frequência e da sua intensidade e duração", salienta.
"Já não há a menor dúvida de que têm relação com as alterações climáticas", diz ao JN o climatologia João Santos, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, assinalando a "tendência clara para o aumento deste tipo de episódios".
Se a mudança climática é responsável pelo aumento da temperatura e pelas alterações na circulação atmosférica, privando a Península Ibérica de chuvas, e a secura extrema e prolongada responde também pela severidade dos incêndios, a destruição do coberto vegetal que estes causam potencia mais ondas de calor, explica. Sem plantas e sem água no solo, não há evapotranspiração.