Em 2023 registaram-se quase 4500 óbitos, o valor mais alto, pelo menos, dos últimos 20 anos. Nesse período, taxa de mortalidade das mulheres duplicou.
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É o cancro mais letal e a tendência de subida segue imparável. Em 2023, morreram no nosso país 4490 pessoas por tumor maligno da traqueia, brônquios e pulmão. É o valor mais alto desde, pelo menos, 2002, quando o Instituto Nacional de Estatística (INE) passou a usar aquela codificação. Tirando 2020, quando a pandemia abalou o sistema de saúde, desde 2015 que os óbitos por aquele cancro seguem tendência crescente. Com as mortes de mulheres a duplicarem em 20 anos e o Norte a responder por 36% da mortalidade por cancro do pulmão.
A leitura resulta de uma análise feita pelo JN aos mais recentes dados do INE sobre as causas de morte em Portugal, atualizados agora a 2023. Ano em que se contabilizaram mais 80 mortes por aquele tipo de tumor maligno face a 2022; e mais 1337 se recuarmos duas décadas. Há nove anos consecutivos acima dos quatro mil óbitos (ver infografia), o Norte concentrou 36% daquelas mortes, mais três pontos percentuais se comparado com 2003 e mais 88 óbitos face a 2022.
Numa evolução de género significativa. De 576 mortes de mulheres por tumor maligno da traqueia, brônquios e pulmão em 2003, duplicou-se para os 1160 óbitos em 2023. Com o peso da mortalidade feminina por este tipo de cancro a passar, nos últimos 20 anos, de 18,3% para 25,8%. Analisando as faixas etárias, 65-74 e 75-84 anos respondem, respetivamente, por 32,5% e 25,6% do total de óbitos. No ano em análise, a idade média ao óbito fixou-se nos 71,6 anos.
Comparando com os registos de 2003, verifica-se uma redução da mortalidade prematura. Há 20 anos, 37,3% das mortes por cancro do pulmão tinham ocorrido em pessoas com menos de 65 anos. Valor que, volvidos 20 anos, reduziu-se para os 27,7%. De destacar, ainda, que a taxa bruta de mortalidade fixou-se, em 2023, nos 42,4 óbitos por 100 mil habitantes: 65,9 nos homens e 21,0 nas mulheres. Se recuarmos duas décadas constata-se que aquela taxa duplicou nas mulheres, na medida em que em 2003 estava nos 10,7 óbitos por 100 mil habitantes. Ano em que, no total, a taxa nacional era de 30,2 óbitos por 100 mil habitantes.
Instada a comentar este aumento da mortalidade por tumor maligno do pulmão, a Direção-Geral da Saúde (DGS) fez saber, por escrito, “que a mortalidade por cancros associados ao consumo de tabaco é uma questão” a que aquela autoridade de saúde “dedica especial atenção, sobretudo com o extenso trabalho desenvolvido pelos Programas Prioritários para as Doenças Oncológicas e Prevenção e Controlo do Tabagismo”. Explicando, ainda, que “as políticas de redução do consumo de tabaco, apesar de apresentarem resultados relevantes na redução do consumo e exposição ao tabaco, só décadas mais tarde é que demonstram efeitos mais claros neste tipo de doenças”.
Leitura diferente tem a médica pneumologista Sofia Ravara, para quem “este aumento é em parte explicado pelo envelhecimento da população, mas sobretudo pela falta de prevenção devido à inércia dos decisores políticos”. Isto porque, explica ao JN a professora na Universidade da Beira Interior, “o cancro do pulmão é dos mais preveníveis, pois 80% a 85% é causado pelo tabaco”. Recordando que “durante a pandemia todas as causas de morte diminuíram à exceção do cancro do pulmão”.
Para Sofia Ravara, "Portugal está na cauda da Europa em termos de políticas públicas preventivas”, como seja a “lei de proteção à exposição ao fumo do tabaco”. Com foco nos jovens, sabendo-se que “permitir fumar em bares e discotecas, que ainda acontece em Portugal, aumenta em 50% a chance de os jovens se tornarem fumadores”. Sendo urgente implementar “um pacote de medidas consistentes ao longo do tempo”, que inclua um aumento da “taxação de forma eficaz”, uma “rede telefónica de apoio” para quem quer deixar de fumar, “ambientes sociais livres de fumo” e “campanhas de educação”. Eliminando-se ainda “o marketing da indústria” e a sua “interferência na decisão política das medidas preventivas”.