Os motociclistas criticam a obrigatoriedade de inspeções periódicas às motas. A medida avançará a 1 de janeiro de 2024, mas as associações de motards acreditam que não vai reduzir os índices de sinistralidade rodoviária, certas de que "a maioria dos acidentes deve-se ao fator humano e não ao fator técnico".
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Ao invés das avaliações obrigatórias como forma de evitar os sinistros, defendem prevenção, formação e uma boa manutenção da via pública. Inconformados, os motards admitem promover ações de protesto para contestar as mudanças, como fizeram em 2021.
Já a Associação Nacional de Centros de Inspeção Automóvel vê com bons olhos a medida. Gabriel Almeida e Silva, secretário-geral da associação, garante que os centros têm instalações e equipamentos adequados a este tipo de inspeções. Mas falta a classificação de deficiências a ter em conta na inspeção dos veículos e os aspetos relacionados com a formação dos inspetores.
Ao JN, o Ministério das Infraestruturas explicou que o Governo tem 90 dias para publicar uma portaria sobre a calendarização das inspeções. Será publicado, também, um quadro de classificações de deficiências a analisar nas avaliações. No que toca à formação de inspetores, o gabinete de João Galamba detalhou que está, "em processo legislativo, a proposta de lei que autoriza o Governo a legislar sobre o regime jurídico relativo à qualificação e formação dos inspetores, sendo necessário aguardar, depois, pela autorização legislativa da Assembleia da República".
450 mil motas
Em causa está o arranque das inspeções a motas, triciclos, moto-quatro e de outros quadriciclos com cilindrada superior a 125 centímetros cúbicos (cc). De acordo com o decreto-lei 29/2023, publicado na passada sexta-feira em Diário da República, a medida vai avançar a 1 de janeiro de 2024. Os novos veículos só fazem a avaliação cinco anos após a data da primeira matrícula. Depois, será de dois em dois anos. Estima-se que cerca de 450 mil motociclos passem a ser abrangidos pelas inspeções periódicas obrigatórias.
Tal como o JN noticiou, há dez anos, o Governo do social-democrata Pedro Passos Coelho tornou obrigatória a inspeção destes veículos. No entanto, fez depender o início da avaliação da publicação de uma portaria. Essa regulamentação nunca viu a luz do dia. O anterior Executivo socialista comprometeu-se a avançar com a inspeção aos motociclos e alargou o universo às viaturas de duas, de três e de quatro rodas com cilindrada superior a 125 cc, perspetivando-se que essa análise começasse a ser feita a 1 de janeiro de 2022. Mas, mais uma vez, não se concretizou.
Agora, sob a tutela de João Galamba, o Ministério das Infraestruturas avança com nova data para a entrada em vigor da inspeção obrigatória de motas com mais de 125 cc.
Agir "a montante"
Os motociclistas discordam. "Não é a adoção destas medidas que vai reduzir a sinistralidade. Esse investimento deveria ser feito na formação, ou seja, a montante e não a jusante", referiu, ao JN, Paulo Ribeiro, presidente da mesa da Assembleia Geral do Moto Clube do Porto, frisando que a formação teria de recair sobre motociclistas e utentes da via pública.
"Os motociclistas defendem um aumento de segurança e uma redução da sinistralidade, mas não à custa de medidas sem qualquer efeito prático, como é o caso das inspeções", reiterou.
Também a Federação de Motociclismo de Portugal rejeita uma relação entre inspeções e redução da sinistralidade. "Este é um assunto antigo. Esta medida é apresentada como uma medida de redução da sinistralidade e os estudos que existem demonstram que a taxa de sinistros devido a falha técnica do veículo é diminuta. Haveria muitas outras coisas a fazer, antes das inspeções periódicas para a redução da sinistralidade", afirmou Manuel Marinheiro, apontando, também, para a necessidade de "formação cívica".
Tanto o Moto Clube do Porto como a Federação de Motociclismo de Portugal apontam, ainda, o estado das vias como outro dos fatores que contribuem para a sinistralidade. Ambas as associações admitem que os motociclistas contestarão as medidas. "Há protestos que serão realizados numa escala nacional, tal como foram no passado. Todos queremos a segurança rodoviária, mas não queremos sustentar lóbis que nada fazem pela segurança rodoviária", garantiu Paulo Ribeiro, sem conseguir adiantar ainda datas.
A Associação Nacional de Centros de Inspeção Automóvel tem um entendimento distinto. Gabriel Almeida e Silva diz que os centros estão adaptados e com equipamentos para fazer as avaliações. Mas, sublinhou, "falta alguma regulamentação para dar execução a esta medida".
"Falta sair a classificação de deficiências a aplicar a estes veículos e falta proceder, também, a uma alteração ao diploma relativo às licenças e formação de inspetores. Neste momento, existem quatro tipo de licenças que, no fundo, habilitam os inspetores a inspecionar determinadas categorias de veículos e, destas quatro licenças, nenhuma abrange os motociclos", detalhou Gabriel Almeida e Silva.
No que toca a instalações e equipamentos, Gabriel Almeida e Silva considera que "os centros já estão preparados há algum tempo". Ao contrário das associações de motociclistas, o secretário-geral da Associação Nacional de Centros de Inspeção Automóvel está convicto de que as avaliações periódicas às motas poderão ter impacto na diminuição da sinistralidade. "Ao fazer um controlo prévio sobre as condições do veículo, vamos antecipar as eventuais deficiências que esse veículo tem. Vamos tornar o veículo mais seguro e menos sujeito a acidentes".