Pedro Graça, presidente da Faculdade de Ciências de Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto e ex-diretor do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável da Direção-Geral da Saúde (DGS), enumera cinco desafios que põem em risco a adesão à dieta mediterrânica em Portugal. Defende que os profissionais de saúde têm de ser mais proativos nas recomendações junto dos utentes e ter mais formação para o fazer.
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Pedro Graça, presidente da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, alerta que a salvaguarda da dieta mediterrânica deve focar-se na resposta a cinco novos desafios que podem colocar em risco a adesão ao padrão alimentar entre os portugueses: a mudança demográfica e social, a crise inflacionista, a inovação científica contrastante com a defesa do património; e as alterações climáticas.
Ao JN, Pedro Graça reforçou a importância de se salvaguardar a dieta num país com características mediterrânicas em diferentes regiões: "desde o Alentejo até Trás-os-Montes. Este padrão alimentar não se deve cingir à região sul - é do norte, do sul, das Beiras, do Alentejo e do Algarve", afirma.
Segundo o Estudo de Adesão ao Padrão Alimentar Mediterrânico, lançado em outubro de 2020 - resultado do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS) da Direção-Geral da Saúde (DGS) -, 62% dos inquiridos dizem já ter ouvido falar em dieta mediterrânea e a maioria aponta como características principais a confeção de alimentos com azeite, o consumo de frutos e hortícolas frescos, um maior consumo de peixe do que de carne e de leguminosas, mas apenas 26% têm uma adesão elevada à dieta. Apesar de, desde 2016, a adesão à dieta ter aumentado 15%, Pedro Graça, que participou neste estudo, afirma que "entre o conhecer e o fazer há um grande fosso na nossa população", o que considera ser um alerta para a necessidade de "investimentos sérios" na promoção do padrão alimentar mediterrânico.
Pedro Graça admite "não serem conhecidas as principais barreiras" ao consumo dos alimentos predominantes na dieta mediterrânica. Porém, entre os relatos dos portugueses e pessoas residentes em Portugal estão o sabor dos hortícolas, a perceção de que engordam se ingerirem alguns dos alimentos, como o pão; e os preços elevados, nomeadamente do pescado.
Ajudar a salvar o SNS
Pedro Graça vê na adoção da dieta mediterrânica um caminho para "ajudar a salvar o Serviço Nacional de Saúde (SNS)", uma vez que as doenças crónicas desenvolvidas normalmente a partir dos 70-75 anos de idade, acompanhadas e medicadas por profissionais de saúde, podem ser prevenidas pela mudança de estilos de vida. E para melhorar a qualidade de vida dos portugueses, ao evitar "consequências económicas para as famílias, o sofrimento associado à doença, e a dependência de familiares" que precisam de cuidados em casa.
"Sabemos que o aumentar da atividade física, deixar de fumar e adotar um padrão de alimentação mediterrânico pode contribuir para reduzir significativamente estes números, sendo que no caso do cancro é uma redução de 50%", alerta.
Cinco desafios em paralelo à pouca adesão
A intervenção do coautor do Manifesto pela Preservação da Dieta Mediterrânica irá incidir sobre os cinco desafios à proteção da saúde da dieta mediterrânica que considera serem principalmente sistémicos e de caráter económico e ambiental.
Pedro Graça destaca as mudanças demográficas e sociais em Portugal com a chegada de cada vez mais estrangeiros que "não conhecem a dieta mediterrânea, nem esta faz parte da sua tradição". E a entrada da mulher - importante na salvaguarda do padrão alimentar - no mundo do trabalho, com "menos tempo para se dedicar à alimentação e à preparação de alimentos, algo que não se passava há 30 ou 40 anos".
O investigador receia ainda os impactos da crise inflacionista: "todos os dias ouvimos falar de aumentos nos preços dos alimentos, muitos deles da dieta mediterrânica", o que pode vir a significar um menor consumo, refere.
Pedro Graça aponta a necessidade de atualizar hábitos tradicionais da dieta que, de acordo com evidências científicas, são prejudiciais para a saúde, como o consumo de produtos com alto teor de sal. Quanto ao impacto das alterações climáticas, determinados produtos alimentares"podem passar a ter restrições". O especialista afirma ser um desafio para a dieta tradicional "manter o equilíbrio nutricional ao mesmo tempo que se mantém o equilíbrio do planeta". Explica ainda que esta problemática não era questionada até, por exemplo, "se começar a medir a pegada ecológica do peixe pescado em águas longínquas", como é o caso do bacalhau.
Necessidade de investimentos "sérios"
Pedro Graça acredita que "há questões sistémicas impossíveis de contornar", mas que a resposta à falta de adesão à dieta deve ser feita através de uma intervenção direcionada para o "aumento da disponibilidade e acesso", tanto a informações sobre o padrão alimentar, como a refeições mais baratas nos locais públicos. Entre os incentivos refere a importância do contacto com a dieta nos primeiros anos de vida "promovido nas creches para as crianças familiarizarem-se" com os alimentos tradicionais da dieta mediterrânica.
Refere ainda a importância do papel do SNS nas recomendações feitas aos cidadãos e na formação de todos os profissionais de saúde, e considera um bom exemplo dos investimentos "sérios" que devem ser feitos o trabalho desenvolvido pela DGS, como o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, e pelas administrações regionais de saúde.
A 8ª edição da Feira da Dieta Mediterrânica reúne, esta quinta-feira, 8 de setembro, no Centro de Experimentação Agrária de Tavira, grandes especialistas da área da saúde e nutrição num painel em torno da preservação do padrão alimentar mediterrânico. Durante a tarde, vão ser analisados projetos desenvolvidos nos últimos anos, cujos contributos podem vir a priorizar a promoção do padrão alimentar mediterrânico no próximo quadro comunitário de apoio a Portugal 2030.
Esta é uma iniciativa organizada em conjunto pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve, Direção Regional de Agricultura e Pescas (DRAP) do Algarve e o município de Tavira. Desde 2013, ano em que a UNESCO passa a reconhecer este padrão alimentar como património cultural imaterial da humanidade, que a região do Algarve, corresponsável pela candidatura, é o rosto da dieta mediterrânica em Portugal.