O impacto da crise da pandemia já é maior no sexo feminino, com mais horas trabalhadas, perda de rendimento e desemprego duradouro. A digitalização da economia em curso e a ascensão de movimentos extremistas podem comprometer meio século de evolução da igualdade de género.
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A crise gerada pela pandemia está a afetar as mulheres de forma mais duradoura do que aos homens e a retoma pode trazer riscos acrescidos de desigualdade, à medida que a digitalização da economia progride. Mesmo que as mulheres estudem mais e procurem emprego nessas áreas predominantemente masculinas, provavelmente vão ganhar menos. No ano passado, perderam 5,5 mil milhões de euros por receberem menos do que os homens em cargos iguais.
"São as mulheres mais qualificadas que mais perdem face aos homens. No grupo de 1% com ganhos mais mais elevados, as mulheres recebem apenas 59,1% face aos homens", detalhou o economista Eugénio Rosa, que calculou as perdas das mulheres em 2020 devido à desigualdade - 5517 milhões de euros - com base nas informações das empresas privadas fornecidas ao Ministério do Trabalho.
O Instituto Europeu para a Igualdade de Género revelou, esta semana, alguns dados preliminares do estudo sobre "Igualdade de género e as consequências socioeconómicas da crise de covid-19". As mulheres estão mais presentes nos setores afetados pela crise, trabalham mais horas não remuneradas na assistência aos filhos (e estão mais em teletrabalho do que os homens) e sofreram mais reduções do horário de trabalho. Os homens perderam mais empregos na primeira vaga de covid-19, mas recuperaram mais depressa. No verão, as mulheres recuperaram menos de metade do emprego face aos homens. Mais mulheres desistem e passam à inatividade (40% na UE face a 30% dos homens) para cuidar de familiares.
Futuro mais masculino
"Há o risco de estas mulheres não voltarem ao mercado de trabalho", alerta Mónica Lopes, socióloga e investigadora dos efeitos da pandemia na desigualdade. "A digitalização do emprego coloca as mulheres em desvantagem, pois exige formação em setores onde têm estado ausentes. A Inteligência Artificial, determinante na organização social do futuro, não tem a perspetiva feminina, agravando a forma como a tecnologia e o Mundo se dirigem para homens", resumiu.
"As mulheres correm o risco de serem empurradas, cada vez mais, para as profissões menos valorizadas e com menor rendimento", lamentou a economista Lina Coelho. "A crise e os movimentos extremistas que têm ganhado força nos últimos anos também podem fazer regredir-nos em desigualdade de género", alertou a investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que está a recolher dados para avaliar o impacto da crise da covid-19 nas mulheres.
A igualdade de género não é espontânea na mentalidade portuguesa, por isso o Ministério da Administração Interna anunciou que, este ano, haverá mínimos de 15% de mulheres na incorporação para guardas da GNR e de 20% para agentes da PSP. Muito há ainda a fazer.