Autarca de Pampilhosa da Serra, que vai pagar 5 mil euros por nascimento, diz que medidas nacionais não são suficientes.
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Cerca de 60 municípios investiram perto de 1,7 milhões de euros no ano passado em incentivos diretos à natalidade, atribuindo uma verba por cada nascimento ocorrido nos seus territórios. A ideia é tentar travar o recuo da natalidade, que se sente sobretudo no Interior, explicou ao JN o presidente da Câmara de Pampilhosa da Serra, Jorge Custódio, município que no mês passado subiu a verba para os 5 mil euros.
Dos 105 municípios de Portugal Continental que responderam ao JN, 58 (quase todos no Interior ou longe das grandes metrópoles) afirmaram ter este tipo de medidas. A sua implementação permitiu apoiar, em 2021, um total de 3100 bebés, com um montante que custou aos cofres das autarquias 1,68 milhões de euros. Estes apoios geralmente incluem uma majoração a partir do segundo filho e estendem-se ao longo de vários anos. É normal incluírem as adoções e, no caso de Vila de Rei, está previsto até um valor extra de 1500 euros em casos de recurso à fertilização in vitro.
Os regulamentos condicionam a forma como as famílias podem gastar o dinheiro: tem de ser em bens para bebé, podendo incluir vacinas não previstas no Plano Nacional e, em alguns casos, a mensalidade das creches. São privilegiadas as compras no comércio local.
Evitar fosso
O presidente da Câmara de Pampilhosa da Serra vinca que o problema da natalidade é sentido com maior peso no Interior e as autarquias estão a tentar evitar que se agrave. "Fazemos isto porque as políticas nacionais não são suficientes. Se o Estado tivesse uma visão diferente sobre o problema da interioridade e da natalidade, evitaria que fossem as câmaras a fazer este papel. Se não fizermos nada, continuamos a cavar um fosso" entre o Interior e as grandes metrópoles do litoral, explica Jorge Custódio.
Perder menos que outros
Pampilhosa da Serra tem vindo a dar incentivos à natalidade há mais de uma década (em 2021, apoiou 10 bebés com 22 mil euros), mas, há dias, publicou um regulamento e subiu o valor de 1500 para 5000. A verba é atribuída pelo nascimento do primeiro e segundo filhos, sendo entregue ao longo dos três primeiros anos de vida das crianças. Sobe para 10 mil euros a partir do terceiro filho.
Sobre o impacto que estas ações podem ter na natalidade, Jorge Custódio diz que não é possível estabelecer uma "relação causa-efeito direto", mas, no caso de Pampilhosa, "o somatório de medidas" de apoio às famílias poderão ter contribuído para que o concelho não tenha perdido "tanta população como a maioria dos concelhos à volta". "Ninguém coloca no Mundo um filho por mil ou 10 mil euros, mas os apoios pretendem ser uma ajuda substancial que alivia o bolso dos pais", acrescenta.
Das câmaras que responderam não ter estes incentivos, várias frisaram que há juntas de freguesias que chamaram a si esse papel. Outras revelaram que estão agora a dar passos nesse sentido. O Entroncamento, por exemplo, começa este ano a entregar vales de 250 euros, e Viana do Castelo prepara projetos.
A saber
Menos nascimentos em 2021
O número total de nados-vivos registados em 2021 foi 79 692, valor inferior ao verificado em 2019 e 2020, respetivamente menos 7334 (87 026) e menos 4999 (84 691) nados-vivos, refere o Instituto Nacional de Estatística.
257 municípios perderam população
De acordo com dados do Censos 2021, na última década, 257 dos 308 municípios registaram decréscimos populacionais e apenas 51 tiveram um aumento. Cerca de metade da população está concentrada em 31 municípios, com destaque para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto e o litoral.
Incentivo não foi decisivo, mas toda a ajuda é bem-vinda
Família da Anadia aproveitou apoio de mil euros para comprar roupa, fraldas, banheira e biberões
Salvador tem apenas cinco meses e descansa, embalado nos braços da mãe, Mónica Gomes, em Vila Nova de Monsarros, Anadia, indiferente às contas que os pais têm de fazer para o criar. A mãe, assistente numa escola, e o pai, Carlos Leal, operário fabril, beneficiam do incentivo municipal "Nascer Anadiense", que lhes atribuiu 1000 euros pelo nascimento do primeiro filho.
"O incentivo não foi decisivo, mas toda a ajuda é bem-vinda", diz Carlos. O valor, entregue após apresentação de faturas na Câmara, ajudou a custear as "primeiras roupas, fraldas, banheira e biberões" do bebé, completa Mónica. A família decidiu fixar raízes na terra de Carlos, tendo já adquirido habitação própria. Salvador ficará numa creche, a 400 metros de casa, onde já tem vaga.
No ano passado, a medida "Nascer Anadiense" apoiou 92 crianças de 88 famílias (alguns eram gémeos), num valor que rondou os 100 mil euros. Destina-se a famílias residentes há pelo menos um ano no concelho, atribuindo um valor de 1000 euros pelo primeiro filho nascido ou adotado, havendo majorações de 25% para o segundo filho e 75% a partir do terceiro. Os apoios estendem-se até as crianças completarem 10 anos. Desde 2018, altura em que entrou em vigor, já foram contempladas 309 crianças de 296 famílias.
A medida, esclarece Teresa Cardoso, presidente da Câmara de Anadia, faz parte de um conjunto mais vasto de ações que pretendem "promover um maior equilíbrio social e apoiar as famílias que contribuem para o aumento da taxa de natalidade".
Entrevista
Falta de condições desmotiva mulheres
Teresa Tomé, Neonatologista e coordenadora no Observatório da Natalidade e do Envelhecimento
Que fatores contribuem para que a natalidade tenha níveis baixos?
As mulheres têm cada vez mais inserção laboral em empregos diferenciados e competitivos, mas, como foi evidente em estudo recente, Portugal é dos países da Europa em que a mulher mais trabalha porque faz uma parte importante de trabalho não remunerado, nomeadamente a gestão doméstica. A flexibilidade de horários ainda não é bem aceite e a competitividade empresarial é discriminatória. Nos últimos dois anos, a pandemia agravou a tendência de decréscimo da natalidade por causa de receios na área da saúde e instabilidade laboral.
O que é necessário fazer para inverter a situação?
Incentivos muito falados, como maior acessibilidade a creches/amas reconhecidas, que deveriam ser generalizados. As creches no local de trabalho foram um modelo que já existiu de forma mais disseminada.
A intervenção das autarquias com subsídios é importante?
Os subsídios podem ser importantes, mas os apoios poderiam ser mais eficazes se materializados noutras ações. Por exemplo, poder existir a nível local um apoio domiciliário comparticipado, libertando tempo do trabalho em casa. E apoio no centro de saúde, para vigilância e vacinação em horário pós-laboral.