"Não adianta disfarçar. Temos que mostrar a realidade", dizem pais do "Joãozinho"

Sofia Costa e Feliciano Lima, pais de Gustavo Lima, que passou oito dias na pediatria
André Rolo / Global Imagens
Presidente da República estará hoje na pediatria do Hospital de S. João. Pais querem que chefe de Estado veja problemas.
É junto das crianças internadas na pediatria do Hospital de S. João que o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai hoje celebrar Natal. O serviço funciona há quase dez anos em contentores e tem gerado críticas por parte dos pais, que lamentam as condições em que os filhos recebem tratamentos.
Em abril, incentivados pelos profissionais de saúde, denunciaram ao JN que os filhos faziam quimioterapia em corredores e criticaram o transporte entre as instalações provisórias e o edifício central do hospital, em viaturas sem condições. Hoje, os pais querem "mostrar a realidade" dos contentores ao chefe de Estado
Reparações
Congratulando-se com a visita de Marcelo Rebelo de Sousa ao S. João, Jorge Pires, presidente da Associação Pediátrica Oncológica, diz que têm sido feitas algumas intervenções para receber o presidente. Refere, por exemplo, que foi reparado "o telhado no pavilhão onde entrava água" e pintadas paredes.
"Sendo uma pessoa de bem, o presidente da República não quer ver uma realidade distorcida. Não adianta disfarçar. Temos de mostrar a realidade", disse.
O Hospital garantiu que "as obras a decorrer foram planeadas e iniciadas muito antes do anúncio da visita do presidente da República".
Jorge Pires sublinha, contudo, que "o principal problema" subsiste: crianças internadas e tratadas em instalações provisórias. "Se não fossem os pais, estava tudo na gaveta. Conseguimos mudar o hospital de dia para condições melhores, mas nos contentores pouco ou nada se fez", lamentou.
"Foi preciso uma cortina para um quarto e, só ao fim de seis meses, é que a puseram. As janelas não estão calafetadas, entra frio e nada foi feito. Os profissionais queixam-se das condições de trabalho. O presidente da República vem simbolicamente no Natal para ver uma coisa que é má e põe em risco a vida das crianças, não faz sentido remediar e embelezar aquilo", criticou.
Más condições
Entre os pais continuam a somar-se os relatos de más condições na pediatria. O pequeno Gustavo, de um mês, passou oito dias nos contentores. Nasceu no S. João e foi internado na neonatologia, no edifício central. Ao sexto dia, foi transferido para o "Joãozinho".
"Foi um choque", recorda a mãe, Sofia Costa. "Foram dias sem descanso. Se não fosse o apoio do meu marido, não podia comer porque, nos contentores, não há espaço para refeições. Além de que, à noite, fazia muito frio no quarto e tínhamos de levar um fervedor para esterilizar as coisas dos bebés", contou a mãe, que ponderou transferir o filho para outro hospital.
A mãe aponta falhas no controlo das entradas e saídas da pediatria. "Não perguntam para onde vão as pessoas nem o que vão fazer. Quando o meu filho teve alta, não havia segurança. Perguntei a uma administrativa o que tinha de fazer e ela deixou-me vir embora sem entregar o papel da alta", censurou.
Questionado sobre o assunto, o Hospital de S. João garantiu que "há isolamento e ar condicionado em todos os quartos". Reiterando cumprir todas as regras de higiene, o hospital salientou ainda que "não se esteriliza nada através de "fervura"". Quanto às entradas e saídas da pediatria, o S. João nega qualquer falha nos registos.
Processo arrasta-se sem solução há muitos anos
Janeiro de 2014
Nasce a associação "Um lugar para o Joãozinho", presidida por Pedro Arroja, com o intuito de angariar fundos para a construção da ala pediátrica
Novembro de 2015
Começam as demolições para a construção da pediatria. Obras foram interrompidas em 2016 por falta de enquadramento legal. Desde então, estão paradas
Janeiro de 2017
O Estado assume a obra do "Joãozinho". É assinado um memorando entre o Ministério da Saúde, o S. João e a Administração Regional de Saúde do Norte
Abril de 2018
Pais das crianças que recebem tratamento de oncologia no S. João denunciam ao JN as más condições das instalações provisórias
Junho de 2018
Crianças que recebem tratamento oncológico mudam para novas instalações. Nesse dia, o bloco operatório foi fechado devido a uma infestação
Julho de 2018
Presidente do Conselho de Administração do S. João ameaça demitir-se caso a verba para a pediatria não fosse desbloqueada. Não aconteceu
Setembro de 2018
O Governo autoriza o Hospital de S. João a lançar o concurso para a conceção de um novo projeto para a construção da pediatria
Novembro de 2018
O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, defende que a obra deve ser feita pela associação "Joãozinho" e quer apoiar financeiramente
Novembro de 2018
Parlamento aprovou a proposta de alteração ao Orçamento do Estado para 2019 que prevê a possibilidade de recurso ao ajuste direto para a empreitada
Dezembro de 2018
Começam as negociações entre a associação "Um lugar para o Joãozinho" e o S. João para passar a titularidade da obra para o Estado. Há nova reunião em janeiro
Dezembro de 2018
Hospital de S. João recebe o anteprojeto para a pediatria e anuncia que, até março, a oncologia e a cirurgia vão passar para o edifício central
