Maioria defende que não se justifica o uso de castigos corporais, mas três em cada dez pessoas recorrem a esse tipo de punições, diz estudo do IAC.
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Cerca de 45% dos pais e dos cuidadores de crianças e de jovens admitem ralhar, gritar e até ameaçar os menores para educá-los. São práticas que o Instituto de Apoio à Criança (IAC) considera inadequadas. No entanto, a quase totalidade dos participantes num inquérito online, realizado pelo IAC e que contou com 1943 inquiridos, não aceita a punição física como estratégia no processo educativo, sendo que 81,7% afirmaram mesmo que "nada justifica" o uso de castigos corporais. Ainda assim, três em cada dez pessoas recorrem a esse tipo de punições físicas em menores, desde bebés de um mês até aos jovens com 18 anos de idade.
Cerca de 4% dos cuidadores dizem recorrer frequentemente a castigos corporais, como dar palmadas, bofetadas e carolos, puxar as orelhas, bater com objetos como chinelos, colheres de pau e cintos, ou dar uma "sova" aos filhos. Uma minoria reconhece que aplica castigos corporais, quando as crianças se comportam desadequadamente e desrespeitam os outros (4,8%) ou em situações extremas como "último recurso" (3,3%).
Impacto das Memórias da infância
Estas conclusões, contidas no estudo "Será que uma palmada resolve? O que pensa a sociedade sobre os castigos corporais?", desenvolvido por uma equipa de psicólogas, serão apresentadas, hoje de manhã, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, no âmbito do 2.º encontro sobre a eliminação da punição corporal.
"De modo geral, uma maior aceitação dos castigos corporais como forma de educar os filhos está associada ao seu maior uso, mas também às práticas inadequadas", explica, ao JN, Fernanda Salvaterra, coordenadora do estudo. Os cuidadores legitimam o uso da força, sobretudo quando os menores são "malcriados" (81,6%), não cumprem com as regras estabelecidas pela família (81,7%) e não obedecem ou desafiam (78,2%) os adultos - comportamentos indicados como comuns nas crianças mais velhas e nos jovens adolescentes. Porém, 89% dos inquiridos garantem ter, frequentemente, estratégias educativas consideradas mais adequadas neste estudo, como, por exemplo, verbalizar os sentimentos da criança e tranquilizá-la, conversar e negociar com ela ou aplicar-lhe castigos, como proibi-la de ver televisão ou de jogar videojogos.
Os pais e os cuidadores mais sensíveis ao uso da punição física são aqueles que, na sua infância, "foram rejeitados ou sofreram castigos" ou sentiram que os seus país "não estavam satisfeitos" com eles, aponta Fernanda Salvaterra, acrescentando que "talvez por psicoterapia ou por terem relações mais positivas na sua vida não querem repetir esses comportamentos", numa tentativa de romper com o ciclo de violência. Há, contudo, "efeitos transgeracionais": os participantes mais velhos recorrem mais às práticas inadequadas e aos castigos físicos. Trata-se de uma "visão mais tradicional da educação", justificada pela legitimidade da autoridade parental, isto é, de que a criança deve sempre obedecer aos pais.
Por seu turno, os pais e os cuidadores com habilitações ao nível do Ensino Superior (81%) conversam e negoceiam mais com as crianças e os jovens, por existir "uma maior consciencialização" dos efeitos negativos da punição física.
Iniciativa
Instituto quer acabar com a violência
O estudo, que avalia as opções disciplinares dos cuidadores, foi desenvolvido no âmbito da estratégia nacional da campanha "nem mais uma palmada" do Instituto de Apoio à Criança (IAC). A iniciativa contra as "palmadas pedagógicas" iniciou-se no dia 22 de fevereiro deste ano - data em que se assinala o Dia Europeu da Vítima de Crime -, movida pela necessidade de se "questionar a violência contra as crianças, que continua a acontecer e a ser tolerada como forma de educação", defende o IAC. O objetivo é sensibilizar pais e cuidadores a recorrerem a outras formas para repreender e educar as crianças. Hoje, na Fundação Calouste Gulbenkian, decorrerá um 2.º encontro sobre o mesmo mote, com especialistas e representantes do movimento civil em torno do fim dos castigos corporais. Será lançado, ainda, um kit de formação em parentalidade dirigido a profissionais, pais e menores.
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1% dos participantes no inquérito promovido pelo IAC, que correspondem aos pais com mais do que quatro filhos, dizem "ser normal" usar castigos corporais e que as crianças devem obedecer-lhes.
28% dos inquiridos que trabalham diretamente com crianças (cerca de 865 pessoas) no ensino, na saúde e nas casas de acolhimento consideram que pode usar-se castigos corporais em todas as idades.