Quatro projetos que tiveram como berço três universidades e um instituto politécnico portugueses foram premiados no mais recente programa Born from Knowledge, promovido pela Agência Nacional de Inovação. As distinções estão relacionadas com uma nova terapêutica para tratamento de feridas em cães e gatos, um biotecnologia pioneira para eliminar as listas de espera para o transplante de órgãos em humanos, um projeto de digitalização da indústria da construção civil e um jogo interativo para crianças com dislexia.
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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD)
Nova terapia para feridas de cães e gatos
Um dia Ágata foi ao monte e veio de lá com um corte na almofada de uma pata. "Era muito profundo, quase chegava ao osso", conta a dona da cadela, Flor Lobo. Levou-a à clínica Vetlamaçães, em Braga, onde Carla Soares é médica veterinária. "Foram feitas duas cirurgias, mas sem sucesso. Entretanto, Carla experimentou um novo método que desenvolveu e logo na primeira avaliação pós-tratamento notou-se uma diferença brutal." Passado pouco tempo, Ágata estava curada.
A nova terapia para feridas cutâneas aplicada à cadela, que também serve para gatos, foi desenvolvida no âmbito da tese de doutoramento em Medicina Regenerativa e Veterinária de Carla Soares, na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real. Trata-se do projeto PlatGen, uma alternativa biológica, ecológica e mais económica.
Carla teve a possibilidade de aplicar a investigação em casos clínicos reais e não em animais de laboratório. "Os resultados foram estrondosos." Explicado de forma rápida, consiste em recolher sangue do animal a tratar, processá-lo através da técnica desenvolvida pela investigadora e aplicar o produto final nas feridas. "Um processo que demora duas ou três horas", diz.
As vantagens em relação a um tratamento normal são muitas, de acordo com Maria dos Anjos Pires, docente da UTAD, que, conjuntamente com Pedro Carvalho (Vetherapy), orienta a tese: "Não precisamos de tanto tempo para fechar uma ferida nem de tantos tratamentos, não usamos antibióticas nem antissépticos e diminuímos a produção de resíduos".
A terapia apenas está disponível na clínica de Luís Barros, marido de Carla Soares, mas o desafio futuro é procurar "disponibilizar o tratamento a todo o Mundo de uma forma sustentável".
Universidade do Porto (UP)
Tecnologia pioneira para revolucionar transplante de órgãos
Só em 2022, Rodrigo Val d'Oleiros e Silva foi premiado por sete vezes pelo seu ambicioso e inovador projeto OrgaValue. Tem por base uma "biotecnologia pioneira", com a missão de "eliminar as listas de espera para o transplante de órgãos em humanos". Para já, o foco está no transplante hepático, mas no futuro poderá abranger "coração, pulmão, pâncreas, rim e outros".
O processo consiste em "aproveitar órgãos descartados para o lixo biológico por falta de biocompatibilidade ou outro problema associado, desde que não seja neoplásico ou patologia degenerativa". O objetivo é "reativar esses órgãos através da remoção de todas as células, ficando uma matriz não celular, que é a sua constituição tridimensional, e que depois é colonizada com novas células do paciente que necessita do transplante".
Em suma, salienta o investigador de 27 anos, "é fazer um órgão personalizado para cada paciente" com três vantagens: "Como as células são da pessoa, não se coloca a questão da biocompatibilidade, também não tem de estar anos à espera de um órgão e não tem de tomar imunossupressores que causam efeitos colaterais".
Estão a decorrer ensaios clínicos de laboratório em animais, em colaboração com a delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal. Rodrigo espera que em breve chegue aos hospitais de Santo António (Porto) e Curry Cabral (Lisboa) para iniciar os ensaios em humanos.
Rodrigo Val d"Oleiros e Silva formou-se em Medicina Dentária, neste momento está a fazer Medicina na Universidade do Minho e um doutoramento em Medicina Regenerativa no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. É ainda investigador no i3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde.
Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA)
Jogos de palavras ajudam crianças que sofrem de dislexia
Uma menina percorre uma aldeia para cumprir uma série de tarefas - jogos de palavras - e, com isso, ganhar recompensas. É o mote de "As Aventuras de Lexi", jogo interativo para crianças que sofrem de dislexia, criado no Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), em Barcelos.
Ultrapassar, de forma divertida, limitações de aprendizagem é o objetivo do jogo desenvolvido pelos estudantes Aurora Nunes, Bruna Vieira e Roberto Pereira e pelo docente João Borges. "Temos um problema social porque uma em cada cinco pessoas no Mundo sofre com a dislexia. Normalmente, o tratamento é feito através da repetição, mas para uma criança isso é desgastante. É aqui que entra o jogo", explica João Borges.
O prémio atribuído pela Agência Nacional de Inovação é o "reconhecimento do trabalho desenvolvido" e dá novo "ânimo" aos criadores do projeto. "Este prémio traz gratificação, porque sabemos que temos algo que realmente pode ajudar as crianças e saber que está a ser aceite a nível nacional é muito bom", salienta Aurora Nunes, estudante de 20 anos.
Para Bruna Vieira, de 23 anos, a envolvência no projeto teve um significado muito maior do que qualquer prémio, uma vez que sofre de dislexia. "Tenho alguma vergonha em admitir porque é uma dificuldade minha. Foi muito gratificante para mim. Eu precisava deste jogo há uns anos e, se calhar, hoje não tinha tanto medo de assumir a dificuldade que tenho", sublinha.
O jogo destina-se a crianças dos seis aos 14 anos. Ainda não está a ser comercializado, mas a marca está registada. João Borges estima que dentro de seis meses possa estar na rua, em diferentes modelos de negócio, seja para instalar num smartphone ou para vender a escolas e municípios.
Universidade da Beira Interior (UBI)
Recuperar imóveis em ruínas com peças impressas em 3D
BOB podia ser nome de pessoa, mas não é. É a designação de um projeto comandado por dois jovens empreendedores formados em Informática, Pedro Silva e Bruno Gomes, e nascido na Universidade da Beira Interior (UBI), na Covilhã. Traduz-se por Building Out of the Box (construindo fora da caixa) e deseja "digitalizar a indústria da construção civil", tornando-a "muito mais produtiva", enquanto "reduz o desperdício e a utilização de recursos naturais".
Pedro Silva diz que a empresa está a criar um serviço "altamente digital", que "pretende reaproveitar estruturas parcialmente destruídas". Na prática, faz-se "uma digitalização 3D da ruína para ficar com o modelo no computador" e através do qual será possível "planear o que é necessário para a completar".
Em posse do modelo final, vão ser criados "módulos, também em 3D, que serão impressos com betão e outras argamassas para depois colocar nas ruínas", de modo a fazer "a renovação total".
Com este projeto, enfatiza Pedro Silva, é possível "diminuir o desperdício obtido através de uma demolição". Em conjunto com UBI, também vão desenvolver "materiais constituídos apenas por resíduos biológicos, industriais e de minas recolhidos localmente", já que a ambição é "trabalhar apenas com alternativas muito menos poluentes do que o betão".
O objetivo é que o projeto de renovação de ruínas comece no Fundão, concelho onde estão a ser identificadas várias estruturas em conjunto com a Câmara Municipal.
Pedro Silva e Bruno Gomes estão também empenhados no desenvolvimento do dispositivo de digitalização e na investigação dos novos materiais que pretendem usar. Para o efeito, procuram garantir um financiamento de "250 mil euros".
Pormenores
Celebrar a inovação
O Born from Knowledge (BfK) é um programa promovido pela Agência Nacional de Inovação. Promove, divulga e celebra a produção de conhecimento e inovação nacionais.
Ciência e tecnologia
O programa engloba o BfK Ideas, concurso de ideias de estudantes do Ensino Superior e investigadores, e o BfK Awards, que premeiam os melhores projetos e ideias de base científica e tecnológica.
