"Não há atribuições coletivas de culpa". Santos Silva avisa Ventura e ouve palmas
O líder do Chega, André Ventura, aproveitou o facto de, nesta sexta-feira, se assinalar o Dia Internacional das Comunidades Ciganas para fazer acusações genéricas a todos os membros desta comunidade. O presidente da Assembleia da República, Santos Silva, interrompeu-o: "Não há atribuições coletivas de culpa em Portugal", referiu, recebendo aplausos quase unânimes. O Regimento obriga a segunda figura do Estado a advertir os deputados que façam discursos "injuriosos ou ofensivos".
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No encerramento do debate sobre o programa do Governo, Ventura tomou a parte pelo todo para se referir, repetidas vezes, a episódios de agressões a GNR e a bombeiros, responsabilizando "os ciganos" e as "minorias apaparicadas".
Augusto Santos Silva resolveu intervir: "Permita-me que o interrompa para lhe dizer que não há atribuições coletivas de culpa em Portugal", observou. O Parlamento, com a exceção do Chega e de alguns deputados de PSD e IL, ergueu-se para aplaudir a repreensão a Ventura.
Ao retomar a palavra, o deputado garantiu que não mudará o seu comportamento. Mas, minutos mais tarde, resolveu apresentar um protesto contra a "censura" de que, no seu entender, tinha sido alvo.
Já após o chumbo da moção de rejeição apresentada pelo Chega, Santos Silva respondeu que o regimento da Assembleia o obriga a interromper os deputados "quando o discurso se torna injurioso ou ofensivo". "O que eu fiz foi cumprir esta obrigação e tenciono fazê-lo sempre que for necessário", reforçou, recebendo novo aplauso geral.
Regimento foi cumprido
A resposta do presidente da Assembleia da República sustenta-se no artigo 89.º do Regimento, que estabelece as normas sobre o "modo de usar a palavra" no hemiciclo.
No número 3 do artigo lê-se: "O orador é advertido pelo presidente da Assembleia da República quando se desvie do assunto em discussão ou quando o discurso se torne injurioso ou ofensivo, podendo retirar-lhe a palavra". Santos Silva limitou-se, portanto, a cumprir o Regimento.
Estas são as únicas exceções à regra, uma vez que, em circunstâncias normais, o deputado que discursa "não pode ser interrompido sem o seu consentimento", conforme estabelecido pelo número 2 do mesmo artigo.
"Chega precisa de lições de democracia"
À saída do plenário, o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, disse subscrever o reparo feito pela segunda figura do Estado. Em declarações à RTP, lembrou que, na tomada de posse, Santos Silva tinha avisado que "os discursos de ódio não tinham aqui cabimento".
"Quando se aponta uma etnia em concreto e se apontam características particulares negativas, está-se a infringir o Regimento", frisou o socialista, referindo-se ao comportamento de Ventura.
Questionado sobre se estes episódios serão uma constante nesta nova legislatura, Brilhante Dias respondeu que "o Chega precisa de algumas lições de democracia".