Sem pronunciar a palavra eutanásia, padres de Viana do Castelo apelaram a que não se legalize morte a pedido.
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A palavra eutanásia não foi ouvida uma única vez pelos fiéis que encheram a Sé Catedral de Viana do Castelo, na primeira missa da manhã deste domingo. O tema, contudo, não passou ao lado da celebração do padre Armando Dias. E o mesmo pode ter acontecido em outras paróquias, a julgar pelas manifestações de padres da região, que usam as suas páginas de Facebook para se pronunciarem sobre o assunto. Alguns até utilizam as suas fotos de perfil para dizer: "Não à eutanásia. Portugal cuida, não mata!".
Apesar de o bispo da diocese de Viana, D. Anacleto Oliveira, "não ter dado qualquer indicação concreta" para o tema da morte assistida e do referendo serem abordados na missa, segundo garantiu fonte do secretariado diocesano para a Comunicação Social, a verdade é que tal aconteceu. Das três missas a que o JN assistiu na cidade (Sé Catedral, Igreja da Misericórdia e São Domingos), em duas o assunto foi falado.
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Na Sé, o sacerdote Armando Dias fez a apologia do "amor à vida". Apoiou-se na leitura do "Sermão da montanha", capítulo 5 do Evangelho de Mateus, em que Jesus prega aos seus discípulos "não matarás", para advertir que, na sociedade atual, "por causa dos interesses políticos, das visões deturpadas sobre o ser humano, os epístolos do ódio, a vida humana sempre corre perigo".
Evangelho e Hitler
"Por isso fica patente: "Não matarás. É uma voz procedente de Deus. Não matar. Quem matar terá pedras no caminho"", disse, recordando, a propósito, "Hitler e poderes ditatoriais que viveram sobre Europa de maneira particular nos últimos anos". "Hitler não tinha as armas que nós temos. Nós hoje legalizamos a morte, é uma coisa incrível. Numa sociedade civilizada, de cultura, o que é que se passa? Milhões e milhões de crianças morrem legalmente e agora com uma lei política, ao mesmo tempo oportunista, queremos aprovar a morte", declarou.
Após a missa, o padre Armando Dias explicou que, independentemente da atualidade do tema, costuma abordar, várias vezes, nas suas missas "a questão da vida que hoje é importante". E manifestou desejo que a despenalização da eutanásia não vá avante. "Deus queira que os deputados sejam sensatos, a maioria deles. Eles não quiseram que o povo tivesse uma participação. Há coisas que não são referendáveis, a questão da vida não é", defendeu. Mas acrescentou: "Não depende da nossa maioria dizer se há vida ou não, mas o que é certo é que em última análise, deveria ser o povo a exprimir-se".
Não... com dúvidas
À porta da igreja, o tema divide opiniões e a maioria recusa pronunciar-se. "Vamos esperar pelos debates. Ainda não sabemos", diz uma mulher escapando de braço dado com o marido.
Maria Serrano, interroga-se: "Como católica não devo, mas aceito em certos casos. Tive uma grande amiga que tinha cancro, holandesa, que escolheu o dia e a hora, e fez em casa com a médica dela". E um seu amigo, António Barbosa, apoia a dúvida no caso do tetraplégico espanhol Ramon Sampedro retratado no filme "Mar adentro".
Na Igreja da Misericórdia, o padre José da Silva Lima, fez uma alusão curta mas direta ao tema, também apoiando-se no Evangelho segundo Mateus. "Os deputados vão discutir a vida. Respeitai a lei do Senhor".