"Não quero sobreviver, quero viver". Milhares protestam em Lisboa em defesa da habitação
Era uma manifestação mas, por vezes, quase parecia uma festa. A cor, o som animado de bombos e o ambiente de descontração faziam com que fosse necessário prestar atenção às palavras de ordem para perceber a indignação de quem desfilou em Lisboa em defesa da habitação. A alegria, contudo, não disfarçou a indignação.
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Nem o forte calor fora de época demoveu os vários milhares de pessoas que se manifestaram em Lisboa. No protesto da capital – bastante mais participado do que o de abril –, o Governo não foi poupado: “Costa, escuta, não somos otários. Menos renda, mais salários”, foi uma das palavras de ordem entoadas. A manifestação teve lugar no Porto e noutras 22 cidades.
Os partidos à Esquerda do PS, bem como a CGTP, fizeram-se todos representar no protesto, promovido pelo coletivo “Casa Para Viver”. Os manifestantes, na grande maioria jovens, entoaram frases como “Casas para morar, senhorios a trabalhar” ou “Solidariedade acima da propriedade”.
Entre os muitos cartazes e faixas exibidos – estiveram presentes organizações tão diversas como associações de inquilinos, de luta anti-racista ou até a Fenprof –, podiam ler-se mensagens de revolta: “Fartos de escolher entre pagar renda ou comer”, “A renda custa o meu salário” ou “As rendas têm de baixar para eu cá ficar”, entre muitas outras. Uma manifestante empunhava um cartaz com uma pergunta: “Quero uma casa que possa pagar. Isto é radical?”.
Deise Pereira, de 21 anos, empurra o carrinho do filho David, de nove meses. Quer sair de casa dos pais, em Queluz, mas não tem como: não encontra habitação a menos de 500 euros por mês. “Estou a receber 700 euros. Como é que vou arrendar uma casa de 500? Vou comer o quê?”, refere.
Cátia Fortes, 30 anos, vive sozinha num T1 na Amadora. Tem dívidas e teme ficar afundada nelas. “Consigo pagar a renda e uma ou duas contas, o resto está para pagar. É uma bola de neve, porque a minha prioridade é sempre pagar a renda, mas falta sempre”, lamenta. Já emigrou, mas depois voltou: “É aqui que tenho os meus amigos e a minha família”, justifica. “Quero trabalho e uma vida digna. Não quero sobreviver, quero viver. Quero ter escolhas”.
Andre Cameron, norte-americano de 66 anos, vive em Portugal há 38. Fala um português perfeito. Habitou no Príncipe Real durante quase 30 anos, mas foi despejado“pela lei da Assunção Cristas”. Pagava cerca de 270 euros de renda; agora, diz que não se veem casas a menos de 1500 euros na sua antiga zona. “Já não se pode viver no centro de Lisboa. É impossível”, lamenta.
Joana Brito, 30 anos, assume ser “privilegiada” por ter os pais a ajudá-la após ter sido despejada de uma casa partilhada, na Graça. “A senhoria decidiu aumentar a renda de 900 euros para 2200”, relata, frisando que não vê futuro para a sua geração:“Estamos condenados ou a viver em casas partilhadas com cinco ou seis pessoas ou a depender dos nossos pais”.