Os temporais de Fevereiro e de Março passados executaram o que o Estado não foi capaz de fazer em décadas: demolir quase oito dezenas de casas de férias e fins-de-semana clandestinas, no núcleo da Fuzeta da Ilha da Armona. Empreitadas de emergência requalificam a ilha-barreira e preparam-na para resistir à investida do mar, com reforço do cordão dunar.
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"Se o mar galgasse a ilha, vinha até aqui. Tudo isto seria água!" Manuel Afonso, 55 anos, revolta-se. "Estão a estragar a paisagem da Fuzeta, com estas construções todas", em expansão, para poente, na marginal do canal da Ria Formosa que bordeja a vila. "Até construíram à frente do miradouro público sobre a ria, onde os pescadores vinham ver como estava o mar!"
De uma nesga entre prédios, avista-se a crista da duna no núcleo da Fuzeta da Ilha da Armona, uma das cinco barreiras naturais protegem a costa no extremo sul do país, mas estão a recuar e a emagrecer com a erosão. Há areia nova, repulsada nos últimos meses para recuperar o cordão dunar. Manuel Afonso recorda: "Tinha o dobro do tamanho, mas depois, nos anos 70, começaram a fazer casinhas, a fazer casinhas..." Até que o mar as expulsou com brutalidade sumária. Entre Dezembro e Março, temporais arremeteram sobre as o núcleo de 77 casas clandestinas de férias e fins-de-semana, construídas no local onde uma barra natural funcionava na década de 1940/50, entretanto colmatada num temporal.
Nos temporais 14 a 17 de Fevereiro passado, as dunas romperam--se e um galgamento de 150 metros reabriu a antiga barra. Metade das casas foi destruída. "Temporal na Fuseta antecipa a renaturalização da ilha", regozijou-se o boletim informativo da sociedade Polis Litoral da Ria Formosa, encarregada de executar a requalificação da zona. A 2 de Março, outro temporal abriu nova barra a nascente.
Para a remoção dos destroços e resíduos no areal e nos canais e demolição das restantes (mais de 442 mil euros) e a recuperação e consolidação do cordão dunar, com o encerramento da barra aberta em Março e a abertura de uma nova, para garantir a segurança, em pararelo com a continuação de trabalhos de reforço do cordão dunar (quase 980 mil euros), foram lançadas empreitadas de emergência.
As máquinas "trabalham dia e noite", testemunha Gaspar Luís, 75 anos, presidente da Associação de Armadores de Pesca do Sotavento Algarvio. O prazo é curto - Setembro - porque as marés-vivas equinociais vêm aí... Mas a obra parece não convencer. "Não há barra em condições e a que estão a abrir aqui devia ter molhes em pedra", protesta Gaspar Luís. "A construção de mais estruturas rígidas na Ria Formosa (ou a barlamar) traduzir-se-ia numa forte amplificação do desequilíbrio dinâmico em que o sistema se encontra", avisava, porém, já em Maio de 2009, o investigador da Universidade de Coimbra Filipe Ceia, em artigo na "Revista de Gestão Costeira Integrada", apontando o recuo da costa agravado com os molhes de Vilamoura, os esporões da Quarteira e das barras de Faro-Olhão e de Tavira.
Agora, a barra está impraticável, por causa do assoreamento e da deslocação constante. "É um cemitério, já morreram dois homens e já houve acidentes, com barcos a virar", diz João Romeira, 43 anos. "Só podemos sair para a pesca com marés altas". Teme o próximo Inverno. "Também vai ser rigoroso e aquilo - a areia de alimentação artificial da duna - vai desaparecer e o canal que abriu em Fevereiro vai abrir novamente. Deviam tê-la deixado, porque a Natureza vai voltar a abri-la...". Talvez. É uma contingência da dinâmica do sistema.