É antiga a tradição de secar o pescado em excesso na Nazaré, e terá surgido com a necessidade de conservar o peixe para os dias de escassez. Outrora a secagem fazia-se em pleno areal, com umas ervas que evitavam o contacto do peixe com a areia.
Corpo do artigo
Maria de Lurdes (conhecida como "Milu"), 70 anos, e o marido, Francisco Vigia, 69, recordam-se bem desse tempo. "Estendíamos o peixe em cima de uma erva parecida com o feno", recorda a mulher, afiançando que as técnicas usadas antigamente são as mesmas de agora.
Distraída enquanto amanha o peixe (processo de tirar as tripas), Milu conta que fez apenas a quarta classe. "Depois vim logo para aqui amanhar o peixe e colocá-lo a secar". Mostra a unha do dedo que nunca corta muito e que serve "para abrir o peixe". "É tudo feito à mão", assegura.
Depois de amanhado e escalado, o pescado é colocado em água do mar com um pouco de sal. "Muda-se a água duas ou três vezes e depois coloca-se a secar no estendal", explica, adiantando que ela e o marido apenas secam carapau, que depois é vendido nos mercados de Valado dos Frades, Maceira e Batalha. "Mas também vendemos aqui na praia ou para alguns restaurantes", revela.
Algum do peixe ali secado é ainda pescado por Francisco. Com uma reforma magra e com o "vício no corpo", mantém "a mania" de ir à pesca, "no barco do patrão". Mas "apenas quando o mar o permite", assegura. Quando isso não acontece, junta-se à mulher no "Estendal do peixe" e ajuda-a na amanha.
Mudança da lota retirou gente
"Desde que mudaram a lota para o Porto de Abrigo, há cada vez menos gente aqui a secar o peixe. Devemos ser uns 10 ou 12 vendedores" explica Francisco, garantindo que no Verão está diariamente no "Estendal no peixe". No Inverno, "só quando os dias permitem".
Francelina Quinzico, 54 anos, deixou de ser pasteleira para se dedicar ao peixe. Não abranda a tarefa que tem entre mãos para conversar e mantém um ar sério. Apenas sorri e se deixa levar pelas "provocações" de quem a conhece da vila piscatória. "Ainda vais cantar o fado" atira um conhecido, entre sorrisos.
Francelina sorri e continua a labuta. Tem vários paneiros (grandes rectângulos de madeira, onde é aplicada rede de pesca da arte xávega esticada, de modo a que o ar circule e seque o pescado), para preencher e o tempo escasseia. Explica que há quem goste do peixe seco, que demora dois a três dias a secar (dependendo das condições climatéricas e da temperatura), ou do enjoado que "não é bem seco nem bem cru".
Negócio já teve mais saída
Apesar de admitir que "já teve mais saída", Francelina diz que seca vários tipos de peixe, desde o carapau, salema, sável e polvos, e que continua a ter "alguma procura". E é no "Estendal do peixe", a sul da praia, vai atendendo os clientes, alguns de longa data.
Aires Cordeiro, de Alcobaça, garante que não dispensa o petisco "duas a três vezes por ano". "Ponho os carapaus a grelhar no carvão, depois tempero-os com azeite, vinagre e alho. É muito bom", assegura Aires, admitindo que lá em casa, apenas ele gosta deste pitéu. A verdade é que esta especialidade gastronómica dificilmente se encontra nos restaurantes da Nazaré.