Tarefas duras e sazonalidade explicam crescentes dificuldades na contratação de mão de obra. Empresários já recorrem ao estrangeiro para salvar períodos de maior atividade na floresta.
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A falta de mão de obra no setor florestal é cada vez mais evidente e está a deixar as empresas sem alternativas, a não ser recorrer à contratação de trabalhadores estrangeiros. Os empresários garantem que os salários mensais para limpeza de terrenos e florestas ascendem aos mil euros, mas a sazonalidade e a dureza das tarefas afastam potenciais candidatos, mesmo entre quem está desempregado.
"Para o trabalho mais mecanizado não há tanta dificuldade em encontrar prestadores de serviços, porque é um trabalho menos duro. O problema são os trabalhos manuais na floresta, extremamente pesados. Já nem é uma questão de dinheiro, há mesmo dificuldade em recrutar pessoas", assegura Manuel Luís, da empresa Florestas Sustentáveis, adiantando que, entre outubro e junho deste ano, reforçou a equipa com 18 trabalhadores sazonais vindos do estrangeiro.
"Foi isso que nos salvou. O típico trabalhador português não está vocacionado para trabalhos mais duros da floresta. No Sul do país, temos jornadas a pagar 100 euros por dia, mas as pessoas preferem 600 ou 700 euros líquidos num supermercado do que estar ao frio e à chuva", refere o empresário que, além da gestão de faixas de combustível e limpezas de terrenos, também se dedica, por exemplo, à extração de cortiça.
Garantem pagar 80 euros por dia
Pedro Serra Ramos, presidente da Associação Nacional de Empresas Florestais, Agrícolas e do Ambiente (ANEFA), admite que "um trabalhador do setor não ganha menos de 80 euros por dia". Mas, à dureza das tarefas, somam-se as dificuldades das firmas em manterem grandes equipas durante todo o ano. "A limpeza de mato é um trabalho sazonal. Isso significa que temos de arranjar coisas para fazer na época de verão", sublinha.
Mesmo os municípios que têm que se substituir aos proprietários que não fizeram limpeza dos terrenos, chegam tarde, critica o dirigente associativo. "Lançaram-se concursos em julho, mas não é no verão que a gente vai limpar mato, porque não podemos. Há uma dificuldade em planear a nossa vida e em as empresas se organizarem para darem respostas às solicitações".
Sobre o recurso a desempregados e a contratos de emprego-inserção, veem mais problemas do que benefícios. Pedro Serra Ramos fala de "colecionadores de cursos" que, habitualmente, não se aguentam mais de um dia. "Acham o trabalho duro e nem aparecem depois do almoço" garante o dirigente da ANEFA. Hélder Ventura, da empresa Ambiflora, em Braga, reforça a má experiência. "Requisitámos ao Instituto de Emprego e Formação Profissional uma lista de 40 pessoas e 70% não apareceram nem se dignaram a ligar", conta.
Para contrariar a sazonalidade e cativar mão de obra, Pedro Serra Ramos acredita que é preciso que as florestas passem a ser geridas "de forma profissional", garantindo "atividades todo o ano". "É preciso que as pessoas assumam isto como profissão e não como um biscate", defende.
Num inquérito a 5680 proprietários de terrenos, a plataforma de serviços Fixando concluiu que "25% não limparam os terrenos por escassez de profissionais, falta de dinheiro ou despreocupação". Dos inquiridos, "26% não sabem que as multas em vigor podem chegar aos 120 mil euros".
Trabalham dois dias e já nem voltam para receber
Carlos Coraza chegou há dois anos do Brasil para trabalhar na empresa de silvicultura e exploração florestal Ambiflora, em Braga. Já domina a maquinaria e o corpo habituou-se ao esforço físico, mas confessa que, nos primeiros tempos, "ficou assustado" com o trabalho. Não desistiu, mas vê frequentemente gente nova a abandonar o barco. "Trabalham dois dias e já nem voltam para receber", atira. Hélder Ventura, administrador da empresa, confirma: "Não há pessoal para esta atividade".
Emanuel Monteiro, 27 anos, é a mais recente contratação da Ambiflora. Foi o único, de uma lista de 40 desempregados apresentada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), que aceitou o trabalho. A chuva não lhe deu tréguas no primeiro dia no terreno, num monte em Ponte de Lima, onde a empresa esteve a fazer controlo de espécies exóticas e gestão de faixas de combustível, mas não se mostrou atrapalhado.
"Já estou habituado a trabalhar à chuva ou com calor. Já tenho experiência na área", afirma ao JN, negando que o trabalho seja "duro". "Tudo depende da vontade que as pessoas têm de trabalhar", atesta.
Hélder Ventura regozija-se com a motivação da nova contratação. "Vamos ver se resiste", desabafa o empresário, admitindo que precisa de reforçar os quadros com mais 15 pessoas. No entanto, nos períodos de maior trabalho, que começam a partir deste mês, seriam necessárias "mais 50". A solução tem sido subcontratar equipas de outras empresas, já que nem o recrutamento no estrangeiro tem sido possível à conta da pandemia.
"Nós damos condições ótimas. Arranjamos casas em condições para descansarem, quando têm que se deslocar, queremos que se alimentem bem, mas mesmo assim as pessoas não querem esta atividade", assegura Hélder Ventura, falando de salários que ultrapassam os mil euros, mesmo para colaboradores sem muita experiência. "As pessoas não se metem nisto, porque preferem rendimento mínimo em vez deste tipo de trabalho. Ganham à boa vida. Eu não me vejo noutra área. Gosto disto. Estar fechado é que não quero", sublinha António Almeida, há um ano na Ambiflora, mas já com uma década de experiência no trabalho florestal.
Ao todo, a empresa bracarense conta com cerca de 40 pessoas. Ao contrário de pequenas empresas do setor que vivem dificuldades no verão, Hélder Ventura encontra trabalho em atividades agrícolas, podas, entre outros serviços. "Conseguimos trabalho para o ano todo", atesta.