O Papa Bento XVI reconheceu, ontem, na missa celebrada em Lisboa, que não faltam "filhos insumissos e rebeldes" dentro da "multidão incontável" que é a Igreja, mas garantiu que "nenhuma força adversa poderá jamais destruir a Igreja.
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Estas frases foram as duas únicas referências, ainda que veladas, aos tempos difíceis que a Igreja Católica atravessa, na sequência das denúncias de pedofilia envolvendo membros do clero, mas constituíram a forma encontrada para não passar ao lado do tema que actualmente faz da Igreja notícia em todo o mundo.
No Terreiro do Paço estiveram, ontem à tarde, entre 80 mil e 100 mil pessoas, disse, ao JN, o director nacional da PSP, Oliveira Pereira, estimando que, no total, as ruas e praças da Baixa terão recebido cerca de 200 mil pessoas para ver o Papa.
"Sabemos que não lhe faltam filhos insubmissos e até rebeldes, mas é nos santos que a Igreja reconhece os seus traços característicos", disse Bento XVI durante a homilia, depois de ter destacado vários santos queridos dos portugueses: São Vicente, padroeiro da cidade, da qual recebeu uma relíquia oferecida pelo Patriarca de Lisboa; Santo António e São João de Brito, "que daqui partiram para semear a boa semente de Deus noutras terras e gentes"; e São Nuno de Santa Maria, que há pouco mais de um ano inscreveu no livro dos santos, lembrou.
O Papa começou por recordar o papel dos portugueses na história da evangelização e incitou-os a continuarem a ser farol da Igreja numa Europa cada vez mais descrente. "Glorioso é o lugar conquistado por Portugal entre as nações pelo serviço prestado à dilatação da fé: nas cinco partes do mundo, há igrejas locais que tiveram origem na missionação portuguesa", disse, para depois deixar um apelo: "Hoje, participando na edificação da Comunidade Europeia, levai o contributo da vossa identidade cultural e religiosa".
Segundo o Papa, "a prioridade pastoral hoje é fazer de cada mulher e homem cristão uma presença irradiante da perspectiva evangélica no meio do mundo, na família, na cultura, na economia e na política". Assim, desafiou os milhares de cristãos presentes, em especial os jovens, a serem testemunho da alegria de Cristo.
No início da celebração, D. José Policarpo, patriarca de Lisboa, agradeceu a vinda de Bento XVI e recordou-lhe que "o nosso povo sempre teve um grande amor pelo Papa, manifestado mesmo nas épocas mais conturbadas da nossa história". O patriarca lembrou que Lisboa e o Tejo são "porta de entrada" de muitas culturas e de não-cristãos e garantiu que a todos a cidade acolhe "com amor". "A maioria católica não tira o lugar a ninguém", disse.
Antes da cerimónia, Bento XVI recebeu vários presentes, entre os quais as chaves da cidade, entregues por António Costa, e uma camisola do Benfica com a inscrição "Bento" e o número 16. O Papa não escondeu o espanto quando recebeu o presente das mãos de Nuno Gomes e Rui Costa.
Na missa, estiveram presentes o presidente da República e o primeiro-ministro, entre outras individualidades. Sócrates destacou a "mensagem de humanidade" do Papa.
Papa criticou o "pecado da Igreja"
Ainda antes de aterrar em Portugal, o Papa acedeu a comentar os casos de pedofilia que têm afectado a Igreja Católica, admitindo que a "maior perseguição" não vem de "inimigos de fora, mas nasce do pecado da Igreja".
No voo que ontem de manhã o transportou até Lisboa, Bento XVI disse aos jornalistas que "a Igreja tem uma profunda necessidade de reaprender a penitência, de aceitar a purificação, implorar perdão", referindo-se também à "necessidade de justiça" nos processos de pedofilia que envolvem membros do clero.
Bento XVI sublinhou que "os ataques ao Papa e à Igreja não vêm só de fora, os sofrimentos da Igreja vêm do seu próprio interior, do pecado que existe na Igreja". O Sumo Pontífice confessou, ainda, o seu sofrimento perante esta situação, que surge agora de uma forma "verdadeiramente aterradora".
Para o Papa, os membros da Igreja devem estar "prontos" para os "ataques do mal", externos e internos. Ainda assim, deixou uma palavra de esperança aos fiéis. "As forças do bem estão presentes e, no final, o Senhor é mais forte do que o mal", afirmou, sublinhando que "a bondade de Deus é a última palavra da história".
Ao final do dia, o porta-voz do Papa recusou a ideia de que Bento XVI tenha alterado a sua posição em relação a este tema. "Não encontro uma alteração particular de direcção, nem de extraordinária novidade quanto ao conteúdo", afirmou o padre Federico Lombardi.
Segundo o responsável, o Papa "fez mais uma reflexão sobre o significado teológico e espiritual e sobre a necessidade de conversão e penitência".
Bento XVI, explicitou aos jornalistas o padre Federico Lombardi, "referiu-se à realidade do pecado e das suas consequências na vida da Igreja, e à necessidade de conversão, penitência e renovação espirituais profundas".