A freguesia de Arroios, em Lisboa, é a mais multicultural do país e por ali ninguém quer ouvir falar em racismo ou tensões entre comunidades.
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Numa altura em que a Grande Lisboa vive noites agitadas, com notícias diárias de tumultos e incêndios em viaturas e caixotes do lixo - após os incidentes de há duas semanas entre moradores de origem africana e a polícia no bairro da Jamaica, no Seixal, - e quando a questão do racismo voltou a saltar para a ordem do dia, o JN Urbano foi até ao coração da freguesia mais multicultural da capital (Arroios) e encontrou representantes de países de quatro continentes, que fizeram questão de mostrar que a convivência é "pacífica".
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"Falar de racismo em Portugal? Isso não faz sentido nenhum", assegura Sebastião Mendes, angolano de 49 anos, há mais de 20 a residir em Lisboa. Encolhe os ombros quando ouve falar dos incidentes dos últimos dias e garante que em Arroios isso "é impossível". "Nunca senti racismo. Só brincadeiras nas obras, de chamarmos "preto" e "branco" uns aos outros, mas em ambiente de camaradagem", justifica.
Portugal é um oásis de paz
Também de África, de Madagáscar, veio Tazmine Mitha há décadas. A comerciante, de origem indiana, que já viveu noutros países, não tem dúvidas em classificar Portugal: "É um oásis de paz". E no seu supermercado, onde predominam produtos orientais, destaca que "o português é um povo muito bom". "Não discrimina ninguém", repete.
Há apenas seis anos na capital estão Wyaes Khan, de 38 anos, e a mulher Sharmin Mow, de 32, originários do Bangladesh. Neste caso, persiste ainda a barreira da língua, apesar de já compreenderem razoavelmente o português, língua que o filho, de 5 anos, já domina na perfeição e, por isso, é o tradutor oficial da família. Dizem que a adaptação foi fácil, porque os portugueses são um povo "very friendly" [muito amigável]. "Arroios é a prova que podemos viver em paz, seja qual for a nossa religião, cor da pele, ou origem. Todos somos seres humanos e isso é que conta", observam.
Literalmente, do outro lado do Mundo, de Goiás, no Brasil, chegou há 10 anos, Kely Martins. À semelhança dos outros testemunhos, elogia a simpatia dos vizinhos portugueses. "Tenho muitos amigos aqui, portugueses e de outros países. Não há qualquer problema no dia a dia. Todos se ajudam", diz.
Queixas de estrangeiros? Só dos clientes do Alojamento Local, que deixam lixo na rua, ou fazem barulho.
Passear pelo Largo do Intendente, ou Avenida Almirante Reis ilustra esta realidade. As esplanadas e os restaurantes são autênticas Torres de Babel, com clientes de todo o mundo sentados, lado a lado. A isto junta-se a diversidade de lojas, de templos religiosos e aromas que, por si só, nos transportam para outras paragens do Mundo.
Orgulhosa desta diversidade, Margarida Martins, a presidente da Junta de Freguesia de Arroios, atribui esta fraternidade à aposta na integração logo a partir dos bancos da creche. "Na maioria dos casos, há 24 nacionalidades de meninos que crescem juntos. Habituam-se a ver-se como iguais, convivendo com as diferenças, onde a língua portuguesa é sempre o elo de ligação", explica.
Por isso, nas escolas a aposta passa também por organizar eventos que mostrem a diversidade de culturas. "Há semanas dedicadas a cada país, onde os meninos e familiares trazem as suas roupas típicas, as iguarias dos respetivos países para darem a conhecer as suas origens aos colegas", conta a autarca. Faz questão de salientar que, apesar dos muitos estrangeiros, "a maioria da população é portuguesa" e acolhe "muito bem" quem vem de fora. "Queixas de estrangeiros? Só dos clientes do Alojamento Local, que deixam lixo na rua, ou fazem barulho. De resto, não temos qualquer problema", conclui.