Em Portugal, cerca de 35% da população vive em freguesias com ‘zonas brancas’, locais em que “não existe, nem se prevê, a instalação de qualquer rede de elevada capacidade, ou existindo apenas uma rede, esta não cobre mais do que 10% dos alojamentos nessa área”, revela a Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM).
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O interior do país é o mais afetado, com 42% dos alojamentos familiares concentrados nestes territórios.
Luís Henrique tem 18 anos e estuda Economia na Universidade Portucalense, na cidade do Porto. Vive com a família na freguesia de Mancelos no município de Amarante, um dos territórios que corresponde a uma ‘zona branca’. “O acesso à internet é péssimo, mas não afeta totalmente a minha vida académica porque passo maior parte do tempo no Porto”. É uma hora de comboio que o separa da faculdade e, por isso, quando é mesmo necessário ficar por casa, consegue “fazer alguns trabalhos ou estudar, porque não exige muitos dados. Torna-se apenas uma questão de ser mais ou menos rápido, o que não deixa de atrapalhar”, confessa Luís.
A ausência ou restrição de redes de telecomunicações de alta capacidade espalha-se por um total de 1837 freguesias onde habitam cerca de 3,65 milhões de portugueses. Luís faz parte dos 22% dos jovens até aos 25 anos que vivem nestas zonas, ainda que 99% das pessoas entre os 16 e 29 anos utilizem diariamente a internet em Portugal, de acordo com o Eurostat.
“Muitas das vezes tento ver um filme ou jogar um jogo online com os meus amigos e não consigo porque a internet falha completamente”. E a solução não passa por ligar os dados móveis, porque, segundo Luís, “são ambas fracas e intercalar raramente resulta”. “Torna-se difícil falar com amigos que vivem noutras zonas e há vezes em que fico mesmo incontactável”.
São 2.483.302 milhões de alojamentos familiares situados nas freguesias afetadas por ‘zonas brancas’, significando que 42% destes edifícios se situa imediatamente ou nas imediações de territórios com uma fraca rede de comunicações eletrónicas. “Acho que pessoas da minha faixa etária são os que sofrem mais. Sinto a diferença pelos meus pais ou avós que têm um uso da internet e das redes móveis menos significativo que o meu”, confessa Luís, explicando ainda que nunca se apercebeu que a família fosse afetada profissionalmente pelas faltas de condições de rede. “Muitos dos nossos vizinhos e habitantes desta região são mais velhos e trabalham em áreas como a agricultura”.
É a perceção de Luís Henrique e que os dados conferem: a probabilidade de um trabalhador do setor primário viver numa freguesia com zonas brancas é de 67%, dada a falta de cobertura no interior do país. Estes territórios são ainda caracterizados por uma população envelhecida significativa, com 26% da população a ter 65 ou mais anos.
Um problema com solução à vista?
Em 2023, era ainda o Partido Socialista de António Costa que governava Portugal, quando a Ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, abordou em declaração oficial os desafios referentes às zonas brancas: “são um símbolo de desigualdade digital que não podemos aceitar, a nossa prioridade é garantir que ninguém, em qualquer ponto do país fica excluído da conectividade”. Em entrevista à RTP3 em dezembro de 2023, Ana Abrunhosa considerou ainda “fundamental” avançar com investimentos para colocar “em pé de igualdade” o interior e o litoral, para “garantir que todas as regiões têm as mesmas oportunidades de desenvolvimento”.
Para garantir a resolução das problemáticas enumeradas pela ex-ministra, o XXIII Governo Constitucional, anunciou que iria assegurar, até 2027, que a banda larga e a fibra ótica chegassem a todas as zonas do interior, criando condições para fixar populações e atrair investimentos. O mote foi dado através de um concurso público internacional para levar fibra ótica às "zonas alvo". De acordo com o anterior governo PS, o projeto está avaliado num investimento de 425 milhões de euros (com participação de fundos europeus) e prevê abranger mais de 400 mil casas, em diversas regiões do interior.
Na apresentação oficial da proposta, António Costa, na altura ainda em funções de primeiro-ministro, realçou a dificuldade em executar o programa, mas afirmou que Portugal se encontrava "na linha da frente e que isso é uma grande vantagem competitiva".
Segundo o agora presidente do Conselho Europeu a estratégia não produziria "frutos em dois anos”, não obstante, criando "condições para que as próximas décadas fossem de inversão daquilo que haviam sido as seis décadas anteriores”. Acreditara que dotar de uma boa conectividade estas regiões, como a característica das regiões do litoral, “não resolve o problema, mas prepara a terra para a semeadura”. Um ano depois, Luís Henrique relembra que não têm faltado promessas: “Há anos que prometem instalar fibra ótica na minha rua, mas até agora ainda não fizeram nada, nem há perspetivas para que o façam”.
Descubra se a sua freguesia tem zonas brancas:
* Natural do Porto, Nuno Canossa é estudante do 3º ano de Ciências da Comunicação na Universidade Lusófona do Porto. É colaborador dos jornais "Jornal Universitário do Porto" e "FairPlay" e foi repórter no evento Algarve 7's da Rugby Europe em 2023."
Luís Moura é natural de Amarante e desde cedo descobriu a paixão pelo jornalismo. Frequenta o 3º ano da licenciatura de Ciências da Comunicação na
Universidade Lusófona- Centro Universitário do Porto. Colabora assiduamente com o Fair Play, tendo também publicações no #infomedia.