A alteração ao Código dos Contratos Públicos promovida pelo Governo é, para o Tribunal de Contas, "potenciadora de práticas de corrupção e infrações", não protege "os interesses públicos" e é suscetível "de configurar um desrespeito pelas regras internacionais". A lei já foi promulgada pelo presidente da República.
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Por requerimento do PSD, a Assembleia da República tornou público o parecer do Tribunal de Contas à versão preliminar da alteração do Código dos Contratos Públicos. A alteração à lei generaliza a figura da conceção-construção até ao final de 2026, quando até agora excecional. O objetivo do Governo é acelerar a execução do PRR, que vai apenas em 5%. Na prática, esta solução entrega aos construtores a responsabilidade de subcontratarem os projetos de arquitetura e especialidades, que até agora tinham de ter concurso público.
Para o Tribunal de Contas, esta mudança "limita a concorrência, privilegiando as entidades de maior dimensão e capacidade técnica e financeira em detrimento das de menor dimensão" que não têm capacidade para subcontratar a elaboração dos projetos.
O parecer do Tribunal de Contas arrasa a nova lei do Governo, classificando-a como "um retrocesso" gerador de "potenciais favorecimentos" e alerta para os "riscos acrescidos de desperdício, má gestão e corrupção". Assim, acrescentam, "permitem-se mais favorecimentos e corrupção na contratação pública" pois há "o risco de que as entidades adjudicantes favoreçam determinados fornecedores".
Deste modo, dizem ainda, o diploma não protege "os interesses públicos em causa", além de que existe "uma grave deficiência de fundamentação" e normas "suscetíveis de configurar um desrespeito pelas regras internacionais".
Refira-se que o Tribunal de Contas se pronunciou sobre a primeira versão do diploma. Em julho, o Governo enviou a várias entidades a primeira versão para que se pudessem pronunciar. Todos manifestaram críticas, nomeadamente a Ordem dos Arquitetos, Ordem dos Engenheiros, Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, Associação Nacional de Municípios Portugueses e Tribunal de Contas.
Marcelo promulgou diploma
Mesmo perante as críticas, o Governo aprovou o diploma em Conselho de Ministros na semana passada e, já nesta semana, Marcelo Rebelo de Sousa promulgou-o. Embora alerte para "os riscos decorrentes deste novo regime", o Presidente da República não vetou a lei pois considera "indispensável adotar medidas excecionais para tentar recuperar o tempo transcorrido" na execução do PRR.
Apesar de já ter sido promulgada, a versão final do documento não é conhecida por nenhuma das entidades que se pronunciaram sobre a versão inicial. É que além de a alteração à lei não ter sido posta em consulta pública, pois o Governo apenas consultou as entidades de forma privada e recusou-se a divulgar os pareceres que o JN solicitou, o documento também não passou pelo Parlamento. Ao JN, o Ministério da Presidência também recusou a consulta à versão final do diploma que só deverá ser conhecido quando for publicado em Diário da República. Ou seja, quando entrar em vigor.
A entrada em vigor pode ser revertida pela Assembleia da República se pelo menos dez deputados, juntos, pedirem a apreciação parlamentar para a revogar ou alterar nos 30 dias que se seguem à publicação em Diário da República. Nesse caso, depois de dez ou mais deputados requererem a apreciação parlamentar, é preciso que a maioria simples da Assembleia da República vote pela revogação. O que será pouco provável, tendo em conta que o PS tem maioria absoluta.
PSD quer ver versão final
Hugo Carneiro, um dos deputados do PSD que requereram o parecer do Tribunal de Contas, manifesta "muita preocupação" com o teor do documento. "Se a versão que vier a ser publicada continuar a suscitar as dúvidas para as quais o Tribunal alertou, temos que estar na linha da frente da defesa do interesse público", revela o deputado, ao JN, esclarecendo que, nesse cenário, o pedido de apreciação parlamentar será ponderado "internamente".
Para Hugo Carneiro, o Governo tem "um problema muito grande neste momento" pois "tem milhares de milhões de euros para investir no PRR e não tem capacidade de execução porque centralizou no Estado a gestão desses fundos europeus". O deputado ressalva que é contra a burocracia na máquina pública, mas "a desburocratização não pode nunca colocar em causa a legalidade, a concorrência", nem pode "dar a oportunidade para que esses eventos de corrupção aconteçam".