Maria de Belém vê “com naturalidade” que se aproveite proposta que liderou.
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A revisão da Lei de Bases da Saúde, uma das medidas inscritas no programa do Governo que acaba de ser aprovado, será uma oportunidade para “corrigir erros e ilegalidades” do texto que está em vigor e ter mais ambição. A antiga ministra da Saúde Maria de Belém Roseira vê “com naturalidade” que a nova legislação seja “inspirada” na proposta que apresentou em 2018 e que tem sido reconhecida em contexto académico, tanto em Portugal como no estrangeiro.
Esta semana, no Parlamento, o primeiro-ministro esclareceu que a nova legislação será inspirada no projeto de revisão da Lei de Bases da Saúde da antiga ministra da Saúde. “Nós vamos inspirar-nos no projeto da doutora Maria de Belém Roseira e, portanto, creio que o PS estará confortável com esse espírito de apreciação desse instrumento essencial para as bases da política de saúde”, declarou Luís Montenegro, em resposta à deputada socialista Mariana Vieira da Silva.
Ao JN, Maria de Belém não se mostra surpreendida com a posição do Governo. “Vejo isso com naturalidade, ninguém falou comigo, mas é uma peça jurídica que está à disposição de quem quiser aproveitá-la”, afirmou a antiga governante que liderou a Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde, criada pelo então ministro da tutela, Adalberto Campos Fernandes.
Apesar de hoje a proposta ser “amplamente apreciada em ambiente académico”, o texto que acabou por ser aprovado, em julho do ano seguinte (com os votos contra do PSD e CDS) foi substancialmente alterado. Tinha “muitas expressões do projeto da comissão, mas estavam descontextualizadas e não tinha a mesma ambição”.
Escolhas partidárias
Por exemplo, realça a ex-ministra, o texto da proposta previa que “a escolha dos dirigentes do SNS fosse por mérito e não por simpatia partidária”, o que não avançou na versão em vigor. Quase a adivinhar a pandemia que se aproximava, a proposta contemplava a possibilidade de, em situações de emergência de saúde pública, requisitar profissionais de saúde e estabelecimentos dos setores público, social e privado. A lei aprovada apenas prevê que o Governo mobilize a intervenção de entidades daqueles setores.
Além disso, refere Maria de Belém, a lei que está em vigor contém “erros e ilegalidades que têm de ser corrigidos”. Por exemplo, só permite a interoperabilidade dos dados de saúde dentro do SNS, quando esta informação é propriedade do utente. “É um abuso e está contra a diretiva europeia que é uma lei supranacional”, refere.
Não limitar escolhas
Relativamente à relação do SNS com o setor privado, Maria de Belém salienta que “uma Lei de Bases não pode limitar as escolhas democráticas dos cidadãos”. Ou seja, não pode evitar ou abrir portas às parcerias público-privadas (PPP) porque estas matérias são competência dos governos.
A ex-ministra entende que tanto a proposta que apresentou como a atual lei permitem avançar com a entrega da gestão clínica de hospitais públicos a empresas privadas.