Desde 2018 que não se emitiam tão poucas declarações para exercício de terapêuticas não convencionais. Osteopatia mantém-se a mais procurada.
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São já mais de 9500 as cédulas profissionais existentes para exercício de terapêuticas não convencionais atribuídas pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Em 2023, registou-se uma quebra de 59% na emissão deste documento face ao ano anterior. As novas cédulas caíram de 1330, em 2022, para 542, no ano passado - segundo valor mais baixo desde a profissionalização destas atividades.
O primeiro ano de emissão destas cédulas, 2016, regista o recorde, tendo sido então passadas mais de 1700. Já 2018 tem o registo de menor número de cédulas emitidas, com apenas 417 documentos passados. Abaixo das mil cédulas anuais ficou também 2019, com 908. Os restantes anos têm emissões entre os mil e os 1500 novos registos anuais. Os dados foram enviados ao JN pela ACSS, que adianta não haver registo de qualquer caso de suspensão.
Esta quebra poderá ser, em parte, resultado da aproximação (ou já ultrapassagem, dependendo do tipo de terapêutica) do fim do prazo de atribuição da cédula provisória para aqueles que já exerciam estas terapias antes da sua integração na lei. David Marçal, investigador e uma das vozes mais proeminentes no tema das terapêuticas não convencionais, afirma-se surpreendido com a quebra na procura por esta profissionalização. “Não esperaria que houvesse essa diminuição, mas, entre outras razões, especulo que poderá estar relacionada com alguma saturação do mercado”. Ter uma cédula para terapias complementares parece não ser a garantia de clientela e dinheiro que ao início se fazia parecer.
A obrigatoriedade de licenciatura, acrescenta Marçal, deverá ser outra das explicações. “Exigir uma formação em Ensino Superior para obtenção da cédula excluirá alguns interessados”, prevê.
Faltam dados agregados
Ainda que a ACSS registe um total de 9508 cédulas emitidas até ao final de 2023, estas não equivalem ao número de profissionais a atuar na área. Isto porque é prática comum nestas terapêuticas que cada profissional obtenha mais do que uma cédula em simultâneo, para diferentes terapias. Sobre o universo de profissionais atualmente em exercício, não é possível obter um número concreto - nem a ACSS nem a maior Associação Portuguesa de Acupuntura, Fitoterapia e Medicina Tradicional Chinesa têm um valor efetivo.
A esta falta de informação sobre os atuantes na área, David Marçal acrescenta o que considera ser uma fiscalização parca. “O controlo das condições de segurança e higiene foi uma das grandes bandeiras de quem argumentou a favor da legislação destas terapêuticas, mas depois vai-se a ver e não houve fiscalizações suficientes para que se consiga traçar um perfil correto do que é feito (ou não) nesta área”. O investigador considera poucas as 30 fiscalizações realizadas pela IGAS desde 2020 (ver texto ao lado).
Numa análise conjunta desta quebra nas cédulas emitidas e da formação superior aprovada pela A3ES (entidade responsável por acreditar os cursos de Ensino Superior), David Marçal acredita que a baixa na procura pela profissionalização pode estar em linha com o “pouco sucesso” das licenciaturas em terapêuticas não convencionais. “Apesar da ajuda na aprovação, por terem força de lei, ainda que não tenham força científica, têm tido dificuldade em garantir doutorados nestas áreas, uma das obrigatoriedades para a criação de cursos superiores”.
Sobre a integração destas terapias como complemento no SNS, David Marçal diz ser “mais um argumento de autoridade, tal como as cédulas passadas pela ACSS, que dão credibilidade burocrática a algo que não apresenta credibilidade científica”.
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Início em 2003
Foi durante o Governo PSD liderado por Pedro Passos Coelho, em 2003, que as terapêuticas não convencionais entraram pela primeira vez no “Diário da República”. A Lei n.º 45/2003 serviu de enquadramento base para o “exercício profissional” destas terapias e foi aprovada por unanimidade.
Uma década de espera
Esperou-se ainda dez anos para que a lei de base promulgada em 2003 passasse a ter efeitos práticos. A Lei n.º 71/2013, também com unanimidade do Parlamento, veio regulamentar o acesso ao exercício de sete terapêuticas: acupuntura, homeopatia, osteopatia, naturopatia, fitoterapia, quiropraxia e medicina tradicional chinesa.
Alterações
A primeira alteração à lei de 2013 aconteceu em 2017, após pressão do setor, decretando o regime de isenção do IVA para estas terapêuticas. A segunda alteração, de 2019, está relacionada com o alargamento do prazo de pedido de cédula profissional para aqueles que já exerciam a atividade antes da regulamentação de 2013.