Simulação do Banco de Portugal revela dano para a economia portuguesa, sobretudo nos têxteis, vidro, cerâmica e bebidas. Nova taxa de 20% para a União Europeia é “rude golpe”, diz Von der Leyen, que ainda quer negociar.
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As tarifas de 20% anunciadas na quarta-feira à noite pelos Estados Unidos para os produtos oriundos dos países da União Europeia vão ter impactos nas exportações portuguesas, em particular nos setores dos têxteis, vinho, vidro e cerâmicas. O Banco de Portugal (BdP) calculou que o impacto de tarifas ligeiramente superiores, de 25%, resultariam na redução cumulativa do PIB português em 1,1% em três anos. Von der Leyen mantém opção de retaliar caso negociações falhem.
Donald Trump deu mais um passo rumo ao isolacionismo económico e assinou dois pacotes de taxas alfandegárias que os americanos vão pagar ao importarem produtos de todo o Mundo, exceto do Canadá e do México, os dois únicos Estados que escaparam ao chamado “Dia da Libertação”.
Os produtos de todos os restantes países passam a ter, a partir de sábado, uma tarifa base de 10% quando entram nos Estados Unidos, sendo que no próximo dia 9 há um agravamento para “os principais agressores”, assim classificados por Donald Trump. Neste leque está a União Europeia que terá uma taxa agravada de 20% (mais 10% face à taxa base), o que causará impacto nas exportações portuguesas.
Alerta nos têxteis e vinho
O setor com maior percentagem de empresas expostas ao mercado norte-americano é o da fabricação de têxteis, onde há 12% de sociedades que exportam mais de 10% do seu negócio para os Estados Unidos, identifica ainda o BdP. Os minerais não metálicos, como o vidro e a cerâmica, têm 11,5% de empresas expostas, enquanto a indústria das bebidas tem uma exposição de 9,6%.
Neste setor, a região mais prejudicada é a do Douro, pois os Estados Unidos são o terceiro destino a nível de vendas de vinho do Porto e o quinto no total dos vinhos do Douro. Esta quinta-feira, no plenário do Comité das Regiões, os autarcas da União Europeia pediram atenção ao impacto no agroalimentar, “em particular no queijo, no azeite e no vinho”. O caso do Douro foi citado.
Luís Machado, presidente da Comunidade Intermunicipal do Douro, diz que as tarifas vão ter “impacto imediato na economia duriense” e que a estratégia passa por “procurar novos mercados”.
Na reação, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, classificou as tarifas de “rude golpe” para a economia global, com “consequências terríveis para milhões de pessoas”. Na senda do que tem sido o discurso de Bruxelas, von der Leyen diz que o bloco europeu está “pronto para responder” caso as negociações falhem. Mas “ainda há tempo para negociar”, avisou.
Para já, Bruxelas está a acabar de definir as tarifas de resposta ao aumento das taxas aduaneiras das importações do aço e alumínio, implementadas pelos Estados Unidos e que vigoram desde o início de março. Estes produtos não são abrangidos pelas tarifas do “Dia da Libertação”, tal como não o são os automóveis, que já tinham sido alvo de taxas próprias. De fora ficaram ainda os produtos de energia, os minérios, os semicondutores, os medicamentos e o cobre, por opção de Donald Trump.
Efeito global na economia
As novas tarifas vão ser pagas em primeira instância pelos norte-americanos, sejam as empresas ou os consumidores a sustentar o aumento que promete encher os cofres da Administração Trump.
No entanto, como realça Gabriela Castro, economista do Departamento de Estudos Económicos do BdP, as tarifas também têm consequências nos países que exportam: “O seu produto torna-se menos competitivo, pois passa a ser vendido a um preço mais alto. Isso pode levar à redução das exportações”. Até os países que não exportam diretamente sentem o efeito, desde que participem com componentes dos produtos exportados.
A inflação dos produtos e o receio da disrupção das cadeias de comércio podem ter “impacto no emprego e no poder de compra”, realça a economista, além de poderem reverter a descida das taxas de juro.
Irlanda será a mais afetada
Os Estados Unidos são o principal destino das exportações portuguesas se excluirmos a União Europeia, mas Portugal não é, nem de perto, o Estado-membro mais prejudicado com as tarifas do “Dia da Libertação”.
Segundo a análise do Banco de Portugal, as exportações de bens para os Estados Unidos representaram 2% do PIB português em 2023. Com este valor, Portugal é apenas o 13º país mais dependente dos Estados Unidos. A lista é liderada pela República da Irlanda, onde 10,1% das exportações são para o mercado norte-americano, seguida da Bélgica (5,6%) e da Eslováquia (4%).
As contas ainda não estão fechadas, mas a Comissão Europeia estima que as novas tarifas venham a custar 80 mil milhões de euros aos norte-americanos que compram produtos europeus, o que contrasta com os 7 mil milhões de euros que são cobrados atualmente, todos os anos.
Mais sobre as tarifas
China penalizada
Os produtos chineses são dos mais penalizados pelas tarifas anunciadas, pois ganham uma taxa adicional de 34%, elevando para 54% o total do imposto aduaneiro daqueles bens nos EUA.
Dólar em queda
Os mercados penalizaram a moeda americana após o anúncio das tarifas. Esta quinta-feira, ao final da tarde, o índice do dólar (DXY) caía 1,6%.
Macron quer boicote
Vários países criticaram, esta quinta-feira, as tarifas de Donald Trump. Um dos mais incisivos foi a França, com Emmanuel Macron, seu presidente, a pedir às empresas que suspendam os investimentos nos Estados Unidos.