Novo aeroporto "Luís de Camões" será em Alcochete e deve custar mais do que o previsto
Vai chamar-se Luís de Camões e não deve estar pronto antes de 2034. Preço superará os seis mil milhões de euros. Humberto Delgado terá obras antes de fechar. Avança nova ponte no Tejo, bem como o TGV Porto-Lisboa e Lisboa-Madrid.
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Ao fim de 55 anos de discussão, está finalmente decidido: o novo aeroporto de Lisboa vai ser construído no Campo de Tiro de Alcochete - como a comissão técnica independente (CTI) tinha recomendado - e terá o nome de Luís de Camões, anunciou ontem o primeiro-ministro, Luís Montenegro, considerando ser essa a localização “mais adequada”. O Aeroporto Humberto Delgado será desmantelado, mas só quando o seu sucessor estiver pronto. O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, deixou dois avisos: não só o aeroporto não fica pronto antes de 2034 (e não 2030 ou 2031, como tinha estimado a CTI), como custará mais do que os seis mil milhões de euros previstos pela comissão.
Montenegro também anunciou que o atual aeroporto de Lisboa terá obras de requalificação, de modo a permitir uma “maior capacidade operacional em movimentos por hora”. O Governo decidiu ainda mandatar a Infraestruturas de Portugal para a conclusão dos estudos de construção de uma terceira ponte sobre o Tejo (Chelas-Barreiro), bem como das linhas de alta velocidade Porto-Lisboa e Lisboa-Madrid, para que sirvam de alternativa ao transporte aéreo. Os carris da ligação à capital espanhola terão bitola ibérica.
“O Governo assume o aeroporto único como a solução mais adequada aos interesses estratégicos do país”, afirmou o primeiro-ministro, em conferência de imprensa. Explicou que Alcochete “garante margem de expansão física” da infraestrutura, permitindo que esteja apta a receber “praticamente o triplo” dos passageiros que aterram anualmente no Humberto Delgado.
ANA vai dar seguimento à decisão
Montenegro frisou também que Alcochete possibilita o crescimento do “hub” da TAP, além de ter a vantagem de ser construído em terrenos públicos, sem necessidade de expropriações. Lembrou que o local já teve uma declaração de impacte ambiental, entretanto caducada.
A opção Alcochete vai ao encontro da recomendação da CTI - que também tinha sugerido Vendas Novas - mas colide com a preferência da Vinci (dona da ANA), que queria o Montijo.
Ontem, após o anúncio, a ANA informou que está “inteiramente disponível para trabalhar, no imediato, nas soluções apresentadas”, pelo que “vai dar seguimento à decisão”.
Miguel Pinto Luz alertou para o “enorme otimismo” da CTI quanto aos prazos de conclusão e aos custos: disse que “não é possível” ter o novo aeroporto operacional antes de 2034 e considerou que os seis mil milhões de euros de custo estimado pela comissão “podem não ser realistas”.
O ministro garantiu não querer “afetar, de maneira nenhuma, o Orçamento do Estado” com a construção do aeroporto: “Com a evolução dos recursos libertados pela concessão, acreditamos que é possível”.
Oposição concorda, exceto o PAN
A solução escolhida pelo Governo é do agrado de quase toda a Oposição e só o PAN é contra. Pedro Nuno Santos lembrou que, há dois anos, enquanto ministro das Infraestruturas, avançou para a solução de Alcochete, num episódio que acabou por fazê-lo recuar. “Nunca tive dúvidas de que Alcochete era a melhor”. Pelo PS, é para “avançar sem demoras”.
André Ventura, do Chega, só lamentou a ausência de um “plano detalhado sobre quando começa e quando vai acabar a obra”. Mariana Mortágua, do BE, afirmou que Alcochete “foi sempre a decisão mais óbvia”. Para Rui Tavares, do Livre, a escolha “peca por tardia” porque a alternativa do Montijo era pior. Segundo António Filipe, do PCP, foi a ação das câmaras comunistas que “impediu que se avançasse para uma solução desastrosa que era Portela+1”.
A única a destoar foi Inês Sousa Real, do PAN, que não concorda com a opção: “Não tem em consideração as preocupações ambientais e com a qualidade de vida das populações”.
O presidente da Câmara Municipal de Alcochete, Fernando Pinto, ficou feliz com a escolha: “É positiva para a minha terra e para a minha gente”.
Aeroporto atual já não serve
Atrasos e ruído
Para mostrar a necessidade de um novo aeroporto, refere, num documento, que “só 52,5% dos aviões da Portela partem à hora prevista” e que Lisboa é “a segunda capital europeia com mais habitantes expostos a ruído aeronáutico”.
Em rutura
O tráfego em 2023 na Portela foi de 33,6 milhões de passageiros, mais 7,7% que no último ano pré-pandemia. O Governo estima que, em 2040, o número possa subir para subir para 41 a 64 milhões por ano. Após 2050 poderá, em tese, superar os 100 milhões.
Opções estudadas
A CTI ponderou sobre 17 opções. Oito das principais foram Alcochete, Vendas Novas, Portela+Alcochete, Portela+Vendas Novas, Portela+Montijo, Montijo+Portela, Santarém e Portela+Santarém.
Porto e Madrid
Pinto Luz diz que a ligação Lisboa-Madrid representa hoje dois milhões de passageiros/dia (40 voos), ao passo que Porto-Lisboa equivale a 1,1 milhões (20 voos). O investimento nos comboios de alta velocidade junto ao novo aeroporto trará alternativas de transporte.
Cronologia
1969 - Rio frio parte na frente
Nasce o Gabinete do Novo Aeroporto de Lisboa (GNAL), para estudar quatro localizações a sul do Tejo: Fonte da Telha, Montijo, Porto Alto e Rio Frio. Em 1971, opta-se por Rio Frio.
1978 - Ota ganha terreno
O GNAL é desativado e as suas funções integradas na ANA, que relança o processo. Cai a hipótese Margem Sul e as atenções viram-se para a Ota, em Alenquer.
1999 - Guterres aprova Ota
Após analisar os estudos de viabilidade económica e ambiental, o Governo de António Guterres decide construir o aeroporto na Ota.
2008 - Sócrates prefere Alcochete
Depois de mais alguns anos de debate, o Governo de José Sócrates troca a Ota por Alcochete. Em 2010, suspende o projeto até que o país supere a crise financeira.
2014 - Portela+1 nasce com Passos
O Governo de Passos Coelho volta a suspender a construção na Margem Sul. Começa a falar-se na opção Portela+1.
2018 - Costa olha para o Montijo
António Costa defende a solução Portela+Montijo, mas algumas autarquias CDU da região preferem Alcochete. Em 2021, Governo e PSD decidem as opções a estudar.
2024 - Por fim, Alcochete
Em 2022, após acordo entre PS e PSD, é criada uma comissão técnica independente para estudar a melhor localização. Em 2023, esta conclui que Alcochete e Vendas Novas são as melhores opções. Já este ano, o relatório final reafirma-o.