Portugal tem mais do dobro dos dentistas recomendados pela Organização Mundial da Saúde. Emigração também continua a subir: França é agora o principal destino.
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A 31 de dezembro de 2020, a Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) contava 11 640 membros com inscrição ativa, mais 4 735 (68%) do que em 2010 (6950). O que significa que Portugal tem hoje o rácio de um dentista para 884 habitantes, bem acima do recomendado pela Organização Mundial de Saúde para a Europa Ocidental (um por cerca de dois mil habitantes). Mas não tem uma distribuição geográfica homogénea, verificando-se grandes discrepâncias entre regiões - o maior excesso está na Área Metropolitana do Porto (AMP).
O estudo da OMD - que anualmente traça o perfil da profissão e que hoje é conhecido - revela os mesmos sintomas que o anterior. O número de dentistas mantém-se em contínuo crescimento, ainda que tenha desacelerado entre 2019 e 2020. Na última década, inscreveram-se, em média, 466 novos membros por ano. Com uma evolução a este ritmo, as estimativas apontam para que, em 2024, possa haver 13 647 profissionais ativos e um rácio de um por cerca de 774 habitantes.
Para o bastonário da OMD, Miguel Pavão, há "um evidente excesso", pelo que é necessária "maior regulação" no acesso à profissão. "Os numerus clausus são respeitados a priori pelas faculdades, depois são deturpados porque acabam por se avolumar com múltiplas formas de integração dos alunos, que ocupam vagas extraordinárias".
Alerta à tutela e às famílias
A emigração começa, por isso, a tornar-se "uma quase inevitabilidade para os mais jovens". O número de membros com inscrição suspensa também continua em ascensão: no ano passado, aumentou para 1770. No total, 12,5% do total dos dentistas são membros suspensos. Segundo a OMD, este comportamento justifica-se, em larga medida, pelo "forte fluxo migratório", sendo que, em 2020, a França ultrapassou o Reino Unido como principal destino.
Miguel Pavão diz que nota-se uma "saturação muito grande no mercado de trabalho" num país que não "tem capacidade para dar emprego digno a tantos dentistas.". "Espero que estes números sirvam para alertar a tutela, mas, sobretudo, as famílias que fazem um enorme investimento para suportar a formação dos seus filhos para uma profissão que depois se torna uma grande desilusão".
A crise sanitária veio agravar a situação, defende João Neto, presidente da Assembleia-Geral do recém-criado Sindicato dos Médicos Dentistas Português (SMDP): "Há muitos colegas a passar dificuldades económicas e alguns até recorreram ao Banco Alimentar durante a primeira fase da pandemia. E há cada vez mais dentistas com remunerações baixíssimas, a trabalharem oito horas por dia e a receberem 10 ou 20 euros".
O estudo mostra também que a distribuição geográfica continua a revelar grandes desequilíbrios regionais. Os locais com menos profissionais com inscrição ativa por habitante são o Baixo Alentejo e o Alentejo Litoral, com um rácio população/médico dentista superior a 2000. No extremo oposto, estão a AMP (615), as regiões de Viseu Dão-Lafões (703), Coimbra (776), Trás-os-Montes (798), Cávado (840) e a Área Metropolitana de Lisboa (882).
À margem
Mais cheques-dentista
A partir de hoje, todas as crianças e jovens que frequentam o ensino privado passam a ter acesso ao cheque-dentista. O despacho que alarga o Programa de Promoção de Saúde Oral foi ontem publicado
Quem vai abranger?
Todas as crianças e jovens com idades compreendidas entre os 7 e os 18 anos, independentemente da escola ou instituição que frequentam. Há muito que a Entidade Reguladora de Saúde alerta para a iniquidade no acesso ao programa.
Feminização
Mulheres em maioria entre a classe
São cada vez mais as mulheres a exercer medicina dentária em Portugal: no ano passado, os membros do sexo feminino representavam 61% do total. A taxa de feminização continua a crescer ao longo dos anos: tendo aumentado 156% em 2020. O estudo mostra também que a média etária dos membros ativos na OMD subiu ligeiramente, para os 40 anos, e que há 47 nacionalidades representadas entre os inscritos. O Brasil lidera a lista (583), seguido de Itália (242) e Espanha (171). Nota-se "um crescimento significativo das nacionalidades francesa, espanhola e italiana", observa ainda o estudo da Ordem.
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Nacionalidades
Os estudantes franceses lideram a lista (733), seguidos dos italianos (255) e dos espanhóis (188). Em Portugal, há sete universidades a formar dentistas: três instituições públicas e quatro privadas. No ano passado, o registo era de 3771 estudantes a frequentar cursos nesta área, mais 158 alunos do que em 2019.
Transfronteiriços
A emigração está a crescer, mas também há cada vez mais dentistas a exercer a profissão simultaneamente em Portugal e no estrangeiro. Em 2020, contavam-se 357 dentistas.
3771 alunos
No universo de alunos inscritos, em 2020, no mestrado integrado de Medicina Dentária, 1454 (39%) eram estrangeiros. O número mais do que triplicou desde 2015.
29,4% dos médicos dentistas com suspensão da inscrição na Ordem por mais de cinco anos em 2020 têm nacionalidade estrangeira. São, sobretudo, originários do Brasil.