O confinamento pôs um travão nos processos de divórcio, que sofreram uma queda abrupta durante a pandemia, motivada pela paragem das conservatórias e dos tribunais.
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Em abril, só se registaram 160 separações. Mas as primeiras semanas de desconfinamento já fizeram disparar este número e, em maio, houve mais 752 divórcios em relação a março. Com a retoma, os advogados relatam maior procura e uma corrida contra o tempo por casais que querem o ponto final ainda antes das férias judiciais de 16 de julho a 31 de agosto. O número vai aumentar, garantem.
Em abril, houve zonas do país onde ninguém se divorciou, ou pelo menos não se oficializaram as separações. Caso de Bragança, Guarda, Portalegre e ilhas de Porto Santo, São Jorge, Faial e Terceira. Assistiu-se a uma queda de 86% em relação ao mesmo mês de 2019, quando se registaram 1132 divórcios. Mas parece ter sido fogo de vista: no mês passado já houve 912 separações.
O número fica aquém de maio de 2019, quando se registaram 1518 divórcios em Portugal. Mas a retoma da atividade dos tribunais e das conservatórias, com os processos que ficaram na gaveta a juntar-se aos divórcios motivados pela quarentena, promete uma subida nos números.
Foi a gota de água
A especialista em direito de família Margarida Portugal garante que, este ano, "a época quente é junho". "Temos a plena noção dos meses quentes de divórcio. É setembro, pós-férias de verão, em que marido e mulher passam muito tempo juntos. E janeiro, porque a convivência sistemática e as exigências familiares das festas destroem o casamento na época do Natal".
Mas 2020 vai fugir à regra. "Durante o confinamento, já senti as pessoas a sondarem. E quando se abriu a porta, começaram a cair os pedidos". Nas últimas semanas, só atendeu processos de divórcio.
É um sinal claro do que aí vem. "E percebe-se pelo nível de urgência das pessoas. Querem logo o divórcio, regulações parentais e partilhas feitas. Querem ver-se livres daquela pessoa rapidamente".
Margarida Portugal explica que "o confinamento foi a gota de água para relações que já estavam mal e precipitou as coisas de forma abismal". Este mês promete uma autêntica maratona. "Os tribunais entram de férias a 15 de julho e os casais não querem passar as férias a ter de gerir a vida em comum. É uma corrida contra o tempo. Toda a gente quer o divórcio decretado antes do verão".
Muitos são casais jovens
Também a advogada Maria de Azevedo Magalhães, que viu processos pré-covid pararem na sequência do adiamento das diligências, nota agora mais procura por divórcios. E sublinha o fenómeno nos recém-casados. "São relações relativamente recentes. Noto que os relacionamentos terminam cada vez mais cedo. A maior parte dos divórcios são casais jovens com poucos anos de casamento".
Mesmo entre os casais que estão a recorrer a terapia, muitos estão a fazê-lo com o objetivo do divórcio para se separarem a bem, na medida em que têm filhos. Os especialistas em direito de família são unânimes.
João Perry da Câmara diz que na pandemia os escritórios de advogados fechados e o teletrabalho também não ajudaram à celeridade dos processos. E não se admira com o aumento da procura. "Vamos ter números sempre a subir. A convivência em espaços fechados torna mais difícil a vida do casal. A partir das primeiras semanas de confinamento, começámos a ser procurados. O trabalho não diminuiu, muito pelo contrário".
Projeto-piloto
143 processos foram online em maio
Desde que o Governo criou a possibilidade de realizar processos de divórcio online, já 143 casais, em maio, recorreram a esse meio para se separarem. O número corresponde a 16% do total de divórcios no mês passado (912). O projeto-piloto, lançado durante a pandemia, permite a realização de atos contratuais à distância, através de uma plataforma digital para notários, advogados e conservatórias. Mas só é possível avançar com o divórcio online se o mesmo for por mútuo consentimento, um processo que corre perante os conservadores de registo e não perante tribunais judiciais. A separação sem consentimento do outro cônjuge continua a ser tramitada como qualquer outro processo judicial.