A comunidade ortodoxa foi das que mais cresceu em Portugal nas últimas décadas, passando de 2 564 pessoas em 1981 para 60 381 em 2021 enquanto a muçulmana passou de 4 335 residentes para 36 480, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE).
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O presidente da Comissão da Liberdade Religiosa explica que se deve à imigração da Europa Oriental, sobretudo da Ucrânia. A comissão reúne-se mensalmente e tem sempre novos pedidos para analisar sobre religiões que pretendem implantar-se em Portugal, revelou à Lusa Vera Jardim.
“Todos os meses temos três, quatro processos para analisar. Neste momento, há os islâmicos [que continuam a chegar], que não constituíram até agora outra comunidade [integram-se nas que já existem], não temos pedidos nesse sentido. Há um movimento de ortodoxos também relativamente importante, vindo da Europa oriental, sobretudo da Ucrânia”, disse Vera Jardim. Em entrevista à Lusa, o presidente da comissão sublinhou que o fluxo migratório de leste nas décadas anteriores foi intensificado com o estatuto de proteção concedido a milhares de ucranianos, após a invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022.
Mais de 600 religiões
Nos últimos anos, a Comissão tem observado igualmente a chegada a Portugal de muitos grupos brasileiros evangélicos, organizados em pequenos núcleos, com padres que tentam estabelecer igrejas que têm “uma expressão importante” no Brasil.
Das mais de 600 religiões que existem em Portugal atualmente, mais de 400 são evangélicas, organizadas em pequenos grupos de 60 a 70 pessoas, com “autonomia em relação às outras”, indicou Vera Jardim. Religiões com um impacto maior, com milhares de fiéis, serão 12 ou 13, estimou.
Segundo Vera Jardim, a comunidade judaica registou também um crescimento, em consequência da lei dos sefarditas, que permitiu a muitos descendentes de judeus com antepassados em Portugal pedir a nacionalidade portuguesa, no âmbito de um processo de reparação histórica, pela perseguição e expulsão deste povo.
Para o presidente da Comissão Liberdade Religiosa a lei existente tem dado resposta e é considerada uma das mais liberais da Europa, embora haja aspetos a melhorar no que respeita à aplicação da legislação em ambientes fechados, como prisões e mesmo em hospitais e nas Forças Armadas.
Apesar de considerar que não é necessário rever a lei, em função do crescimento de novas comunidades, o presidente da Comissão tem alertado para a necessidade de uma maior sensibilidade para o apoio que deve ser prestado a quem é religioso, seja quando se encontra em regime de reclusão, numa unidade hospitalar ou ao serviço das Forças Armadas.
A Lusa comparou os resultados do recenseamento geral da população residente em 1981 com os do mais recente Censos (2021) para perceber a evolução da liberdade religiosa no Portugal democrático. Há 43 anos, a religião protestante abrangia 39 122 pessoas. Em 2021, o INE registou 186 832 fiéis da igreja protestante/evangélica, 63 609 testemunhas de Jeová e 90 948 cidadãos pertencentes a outra religião cristã.
Ateus aumentam
De acordo com os dados doINE, em 1981, 253 786 pessoas responderam não ter religião. Em 2021, foram cerca de 1,2 milhões.
As grandes religiões do mundo sempre estiveram presentes em Portugal, embora sem direitos e por vezes sujeitas a perseguição, como foi o caso dos judeus e mais tarde daquelas que se opuseram à guerra colonial e se recusaram a cumprir o serviço militar obrigatório, de que são exemplo as Testemunhas de Jeová.
Em entrevista à Lusa, Vera Jardim lembrou que, antes do 25 de Abril, muitas ordens religiosas espanholas, anglicanas, inglesas, americanas, luteranas e outras foram expulsas das colónias, tal como católicos favoráveis à independência dos territórios ultramarinos.
"Há religiões que estão em Portugal há 200 anos e mais", disse. "Os batistas, os luteranos, os judeus, desde logo, tivemos a expulsão dos judeus, mas depois tiveram inteira liberdade de culto. Essas religiões todas tinham o seu papel em Portugal e até estavam bem estabelecidas nalgumas colónias portuguesas", apontou.
Vera Jardim recordou que as Testemunhas de Jeová "foram bastante perseguidas pelo chamado Estado Novo, porque se recusavam a cumprir o serviço militar. Houve, aliás, processos, contra vários membros".