Em 2022 houve mais de três milhões de dias de faltas ao trabalho por questões de saúde. Tendência crescente preocupa e pedem-se medidas urgentes.
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O absentismo por doença no Serviço Nacional de Saúde atingiu níveis nunca vistos. Em 2022 aumentou 54% face a 2019. O número de ausências no ano passado foi também superior ao dos anos pandémicos, em que milhares de profissionais ficaram infetados com covid-19 e foram obrigados a isolamentos. Exaustão? Desmotivação? Más condições de trabalho? Médicos, enfermeiros e administradores hospitalares apontam uma mistura de fatores. E pedem medidas urgentes.
A tendência do absentismo em geral nas instituições de saúde é crescente, mas focámo-nos nas ausências por doença por refletirem o estado de saúde mental e físico dos profissionais, à saída da pandemia.
Segundo o Portal da Transparência do SNS, os dias de ausência por doença sobem desde 2014, salvo dois ligeiros recuos em 2017 e em 2021.
Assim, em 2022, foram registados três milhões de dias de ausência ao trabalho por doença em todas as instituições de saúde, nomeadamente hospitais, centros de saúde e outros na esfera do Ministério da Saúde, como o INEM ou o Infarmed. Refira-se que no final daquele ano o SNS contava 150 mil trabalhadores.
As "taxas de absentismo elevadas" foram invocadas, em tom de preocupação, por Fernando Araújo, diretor-executivo do SNS, na última audição no Parlamento, como resultado de "dois anos esgotantes" de pandemia. A Direção-Executiva do SNS está, aliás, com a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) e a Ordem dos Psicólogos Portugueses, envolvida num estudo sobre a cultura organizacional no SNS, que inclui um inquérito aos trabalhadores (ler na ficha ao lado).
Vários fatores em causa
Os números não surpreendem a bastonária da Ordem dos Enfermeiros. Ana Rita Cavaco lembra que, nos últimos anos, vários estudos têm demonstrado elevados níveis de exaustão e "burnout" deste grupo profissional, o maior do SNS, que "também é recordista de horas extraordinárias". E há vários fatores a contribuir para o absentismo. A falta de profissionais - "o rácio enfermeiro/doente em Portugal está sempre abaixo da média da OCDE", nota a bastonária - que leva ao excesso de trabalho e a pouco descanso; a desmotivação com as carreiras e os salários; o trabalho por turnos, muitos deles à noite, que também concorre para uma maior exposição à doença e para o cansaço físico e mental, refere.
Falta avaliação
Além disso, muitos enfermeiros desenvolvem lesões músculo-esqueléticas pelo esforço que fazem a posicionar os doentes e isto também está relacionado com a falta de recursos suficientes, nota Ana Rita Cavaco, garantindo que "não há um único serviço no país que não tenha um enfermeiro em ausência prolongada". Mais contratações, melhor organização do trabalho e a redução da idade da reforma são algumas das medidas defendidas pela bastonária.
Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos, é cauteloso na análise dos dados "porque não há estudos que expliquem porque estão as pessoas a adoecer mais", mas aponta o dedo ao Governo por ainda não ter feito uma avaliação da pandemia, do que aconteceu em 2020 e 2021 e do que está a acontecer agora, para se olhar para o futuro. "É um ato de negligência do poder político ainda não ter feito essa avaliação", diz, considerando "fundamental perceber porque aumentou o absentismo por doença e se foi por motivo infeccioso ou por questões de saúde mental".
Para Xavier Barreto, presidente da APAH, os números expressam os efeitos da pandemia nos profissionais, mas também as atuais condições de trabalho no SNS. "Sob grande stress, com mais turnos do que o desejável" porque faltam recursos e com "equipas pouco motivadas". "Quando as pessoas estão comprometidas com o serviço, quando têm um propósito, estão menos propensas a faltar, é assim em qualquer contexto organizacional", explica.
O Ministério da Saúde não respondeu em tempo útil às questões do JN sobre o tema.
Inquérito
Nove mil falam da organização do trabalho
A Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares elegeu o capital humano na saúde como o mote da sua conferência anual, que arranca hoje, em Guimarães. No sábado serão apresentados os resultados do barómetro
"Estamos a cuidar dos nossos trabalhadores?", desenvolvido em parceria com a Direção Executiva do SNS. O estudo inclui um inquérito enviado a todos os trabalhadores do SNS que obteve cerca de nove mil respostas, adiantou o presidente da APAH. Para Xavier Barreto, o envolvimento da Direção Executiva do SNS revela que "tem uma perceção clara de que os recursos humanos são uma dimensão fundamental no SNS e a que está em maior risco". "Percebe que é importante avaliar o que se passa para implementar uma estratégia", afirma o administrador hospitalar.