Antigo povoado galego no leito do Lima à vista desde setembro. Caudal secou e destapou ruínas submersas pela Barragem do Lindoso.
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Trinta anos depois, a redução drástica do caudal do Lima veio pôr a descoberto a eterna saudade que mora no coração dos antigos habitantes de Aceredo, a aldeia galega submersa pelas águas aquando da construção da Central Hidroelétrica do Alto Lindoso, em Ponte da Barca, a escassos metros da fronteira.
A barragem começou a operar em janeiro de 1992 e a população, que até ali resistira de todas as formas até ao último momento, viu-se forçada a abandonar as casas à pressa quando as águas começaram a subir. Desde então, o antigo povoado já ficou à vista várias vezes, mas nunca como agora, ao ponto de se poder entrar nas casas em ruína e resgatar velhas memórias.
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"É a primeira vez que está assim. Baixou muitos anos, mas nunca se viu tanto [a antiga aldeia] como se vê agora. Há uns dias, os meus filhos entraram na nossa casa, estiveram na adega e trouxeram uns "cacharros [loiças]" para guardar de recordação", conta Mariana Alonso, de 84 anos, nascida e criada na antiga Aceredo, e que ainda hoje reside perto da velha aldeia submersa. "Está assim desde setembro, mas creio que é agora que a água está mais baixa. Um dia tem um bocadinho de água, mas no outro já não tem nada. Penso que as máquinas [da barragem] estão a trabalhar a toda a força", comenta.
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Situado no município de Lóbios, pertencente à província de Ourense (Galiza), o fantasmagórico aglomerado de casas colocado a descoberto pela seca tornou-se uma espécie de destino turístico. "Viemos de propósito. Ouvimos falar disto pela televisão e uns nossos amigos aqui de perto também nos disseram", contam Justiniano e Alzira Rocha, um casal de ex-emigrantes que se deslocou de Braga para conhecer a velha Aceredo.
O extenso casario sem telhados, portas e janelas, e paredes escurecidas pela lama do fundo do rio, mexe-lhes com as emoções. "É impressionante. É lindo, mas impressiona", comenta Alzira. E o marido, completa: "Está fantástico, mas é triste. Sei que é a evolução da vida, mas imagino as pessoas que viviam aqui voltarem hoje a ver conforme está. Deve ser uma tristeza enorme".
Mariana Alonso, que em criança brincava e corria pelos caminhos que agora são leito de rio seco, nunca mais voltou à aldeia. "Vejo-a de longe e chega-me bem. Não tenho coração para ir ali. Traz-me muitas saudades", desabafa, de olhos molhados. O Lima submergiu a sua velha casa de família. "Era da minha mãe. Tínhamos uma habitação com 10 ou 11 quartos, porque éramos muitos. A minha mãe, Maria Alonso, teve seis filhos. Eu vivi ali até aos 27 anos de idade", recorda.
Quando, em 1992, a barragem veio mudar o rumo à vida dos habitantes, Mariana vivia em Vigo com o marido, Cândido Rodriguez, mas faziam planos de ali construir uma casa para a reforma. "Era uma aldeia muito bonita. O rio passava em baixo, tinha trutas e era lindo. Vínhamos sempre ao fim de semana, porque a família vivia toda ali. Quando veio a barragem, foi o maior desgosto", lembra.
Do passado, resta-lhe a paisagem árida que se avista por estes dias e uma fotografia aérea da casa onde nasceu. O homem com quem está casada há 55 anos, Cândido, partilha o mesmo sentimento: "A casa ainda está inteira. Falta-lhe é o telhado, mas as pedras estão todas lá. Vê-se tudo. Já faz tempo que está assim. Não chove".