Três pessoas recuperadas da covid-19 desenvolveram sintomas de Parkinson. Neurologistas dividem-se sobre a possibilidade de o vírus poder provocar a doença depois da infeção ou ter posto a descoberto um problema de saúde latente.
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Muitas pessoas que ficaram infetadas com covid-19 viram o seu sistema nervoso central afetado a longo prazo, demonstrando sintomas como perda de olfato e paladar, confusão mental, depressão e ansiedade. Para além destes casos mais comuns, há estudos de casos que descrevem pacientes recuperados da covid-19 que desenvolveram "parkinsonismo", uma doença cujos sintomas - tremores, rigidez muscular e dificuldades na fala e no andar - se assemelham aos do Parkinson. No entanto, não é certo que haja uma relação entre a covid-19 e estas perturbações cerebrais, mas o tema está a ser investigado pela Ciência.
A doença de Parkinson é uma disfunção neurológica causada pela quebra de produção de células que produzem a dopamina, substância química que comanda a atividade muscular a nível cerebral. Entre os sintomas, estão tremores, rigidez muscular, lentidão dos movimentos, perda de equilíbrio, perda de movimentos automáticos, alteração da fala e dificuldade em escrever.
Em declarações ao JN, João Massano, que foi vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia e é especialista na doença de Parkinson, explicou que, entre os mais de 388 milhões de casos de covid-19 em todo o Mundo, foram descritos apenas três casos de pessoas em que se verificaram sintomas de Parkinson. Os casos foram descritos num estudo publicado em 2021 na revista "Movement Disorders".
"Duas delas têm claramente doença de Parkinson. O terceiro caso não parece exatamente isso, parece uma lesão cerebral causada pela falta de oxigénio que a pessoa teve durante a pneumonia de covid-19. Essas lesões podem afetar as mesmas zonas do cérebro atingidas pela doença de Parkinson e causar sintomas semelhantes", disse o neurologista do Hospital de São João, no Porto.
No entanto, alertou que isto que não significa que tenha sido o SARS-CoV-2 a causar a doença de Parkinson. "O que acontece nestas doenças neurodegenerativas que são progressivas e silenciosas durante muito tempo é que, por vezes, existe uma agressão adicional ao organismo que faz com que o cérebro, que estava num equilibro relativo e ainda dava para disfarçar os sintomas, acaba por descompensar e os sintomas mostram-se. Achamos é que estes casos são verdadeiramente doença de Parkinson e foram desmascarados pela agressão que a inflamação da covid-19 representou nestes doentes", sublinhou.
"Pressupostos controversos"
Não é a primeira vez que a comunidade científica tenta perceber a ligação entre um vírus e o desenvolvimento da doença de Parkinson. Segundo João Massano, a pandemia "que levantou mais suspeitas" foi a da gripe espanhola de 1918. Nessa altura, foram detetados muitos casos de encefalite letárgica em que os doentes apresentavam parkinsonismo.
Porém, os primeiros casos foram descritos em 1916, dois anos antes de começar a aparecer a gripe espanhola. "Não temos provas convincentes de que a causa tenha sido o vírus da gripe, da influenza A, que na altura esteve a circular", disse o neurologista, acrescentando que a única semelhança entre a encefalite letárgica e a doença de Parkinson é o facto de atingirem a mesma zona do cérebro, que é responsável pelo controlo motor.
"Quando se teve a oportunidade de analisar os cérebros das pessoas com encefalite letárgica, percebeu-se que os achados no cérebro são completamente diferentes da doença de Parkinson", sublinhou.
Apesar de alguns neurologistas acreditarem, segundo a BBC, que os vírus podem conseguir atravessar o cérebro e danificar as estruturas que controlam a coordenação do movimento, iniciando um processo de degeneração que pode levar à doença de Parkinson, João Massano considera que "estes pressupostos são muito controversos".
Covid-19 no cérebro?
Uma das questões mais debatidas na comunidade científica passa pela possibilidade de o SARS-CoV-2 poder invadir o cérebro. "Todos os estudos de autópsia que temos até agora nas pessoas que morreram com covid-19 não conseguiram encontrar o vírus no cérebro", explica Massano. Porém, a doença causar danos através, por exemplo, da inflamação das artérias cerebrais.
"A grande conclusão que podemos tirar até agora é que não temos qualquer prova do que o SARS-CoV-2 invada o cérebro ou cause qualquer doença neurológica, muito menos doença de Parkinson", acautela o neurologista, acrescentando que "isto nunca aconteceu com nenhum coronavírus e não há razão nenhuma para pensar que o SARS-CoV-2 será o primeiro".
É necessário, porém, continuar a recolher dados para estudar a possibilidade de a infeção por covid-19 poder desencadear este tipo de doenças degenerativas.
Outras preocupações
Diabetes
Na primavera de 2020, começou a surgir um número crescente de relatos sobre pacientes com covid-19 que chegavam ao hospital com níveis de açúcar no sangue anormalmente altos, embora não tivessem histórico anterior de diabetes. Os médicos também notaram que os pacientes com diabetes pareciam ser particularmente vulneráveis à doença.
Alguns cientistas, como o biólogo da Weill Cornell Medicine Shuibing Chen, acreditam que há evidências que sugerem que o vírus pode gerar a inflamação no pâncreas e noutros órgãos, causando danos a vários sistemas que controlam os níveis de açúcar no sangue. Outros apontam que os pacientes que parecem desenvolver diabetes podem estar a sofrer danos devido ao tratamento intensivo que recebem nos hospitais ou podem já estar nos estágios iniciais do desenvolvimento de diabetes, tendo a doença sido desmascarada pelo SARS-CoV-2.
Síndrome de Guillain-Barré
No ano passado, vários relatos associaram a infecção por SARS-CoV-2 a distúrbios autoimunes como a Síndrome de Guillain-Barré, uma condição rara e grave na qual o sistema imunológico ataca os nervos, causando dormência, problemas de equilíbrio e coordenação, fraqueza e dor e, às vezes, paralisia. Os cientistas acreditam que os pacientes que foram internados com covid-19 estão particularmente propensos a desenvolver estas complicações, pois são mais propensos a ter autoanticorpos no sangue - uma forma de proteína produzida pelo sistema imunológico que é direcionada contra os próprios tecidos do corpo.