Luís Pitarma está assustado com as repercussões do agradecimento mediático do primeiro-ministro britânico. Hospital "escondeu-o" num hotel.
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Quando os responsáveis do hospital St. Thomas, em Londres, chamaram à parte Luís Pitarma, o enfermeiro que trabalha nos cuidados intensivos pensou que poderia ter feito alguma asneira. Não tinha, pelo contrário. "Queremos que sejas tu a tratar do primeiro-ministro Boris Johnson". O português, de 29 anos, ainda questionou. "Mas há outros enfermeiros no serviço mais velhos, mais experientes...". A confiança reiterada encerrou a conversa do maior desafio do aveirense, a quem o líder britânico agradeceu publicamente.
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O diálogo não é contado por Luís, porque este recebeu indicações do hospital para não falar aos jornalistas, mas é reproduzido pela mãe, Edite Pitarma, com quem Luís tem desabafado nos últimos dias. Como no domingo à tarde, minutos depois de o filho ter recebido uma chamada do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que lhe agradeceu o empenho e o de todos os profissionais de saúde que no estrangeiro e em Portugal dão a vida por quem está infetado pela pandemia.
"Ele ficou nervoso quando lhe disseram que ia tratar do Boris Johnson, é normal, todos os doentes são importantes e tratados com a mesma responsabilidade, mas o mediatismo é diferente e foi isso que se calhar o deixou inicialmente a tremer", disse hoje, segunda-feira, ao JN. Edite só soube na quinta-feira à noite quando Luís lhe telefonou. "Nem sabes quem estive a tratar?", desafiou Luís. "Respondi-lhe 'Boris' e perante a surpresa dele, disse-lhe que tinha tido esse pressentimento". Pressentimento e desconfiança. Nos três dias anteriores, não tinha conseguido falar com o filho e as mensagens pelas redes sociais eram "barradas". Soube depois que as comunicações de Luís, por questões de segurança, estavam a ser controladas pelas autoridades britânicas. A guarda a Boris Johnson não passava apenas por elementos fortemente armados no hospital.
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Apartamento cercado
Luís nem era grande adepto do primeiro-ministro britânico devido ao Brexit, mas as 48 horas em que esteve ao lado de Boris fizeram-no mudar de opinião. "Diz que foi de uma simpatia e simplicidade surpreendente. Pediu-lhe para o tratar por Boris e quis saber quem era, onde tinha nascido e há quanto tempo trabalhava em Inglaterra. O Luís disse-lhe que era de Aveiro, perto do Porto, e ele ficou com essa referência. Disse que gostava muito do Porto e de Portugal", conta Edite.
Quando saiu dos Cuidados Intensivos, na quinta-feira, Boris agradeceu pessoalmente a Luís, prometendo que voltariam a falar. Mas o enfermeiro português nunca imaginou que o chefe do Governo britânico o metesse nos holofotes do mundo quando o nomeou na primeira comunicação pública após o internamento.
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"Ele ficou em pânico porque os jornalistas cercaram o apartamento onde ele vivia até há poucas semanas, e onde eles pensavam que ele continuava a viver. Os antigos colegas de casa nem sabiam o que fazer, os colegas e amigos deles foram inundados com mensagens a fazer perguntas sobre ele nas redes sociais, de tal forma que já nem estado na nova casa, mas num hotel que o hospital lhe reservou para o proteger da confusão. Ele só diz que quer continuar a ser um anónimo", conta Edite. Os próprios pais, que têm um espaço comercial de eletrodomésticos na zona de Esgueira (agora fechado), não têm tido sossego. Nem a irmã de Luís, que ainda hoje, segunda, foi questionada pela BBC.
Pensou ser médico
O mediatismo surpreendeu a família de Luís, mas o mérito não. "Ele quando foi para Inglaterra, em 2015, foi para um outro hospital, tendo sido considerado um dos enfermeiros do ano", lembra Edite. No ano seguinte mudou para o St. Thomas, onde continua, agora já como enfermeiro sénior. "Os enfermeiros portugueses são muito bons, já quando ele esteve a fazer Erasmus na Finlândia, eles lhes diziam isso. Os portugueses sabem fazer tudo, lá na Finlândia cada um só fazia algo específico...".
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Luís Pitarma nasceu em Aveiro, onde estudou até ao Secundário. Queria ser médico, mas não tinha média. Ainda pensou, lembra a mãe, fazer Medicina do outro lado da fronteira, aproveitando a família da avó paterna espanhola que vive em Málaga, mas acabou por ir para a Escola Superior de Enfermagem em Lisboa. A ideia era depois pedir a transferência para o curso de Medicina. Não pediu porque se apaixonou pela Enfermagem, "ele diz que assim está mais próximo dos doentes".