Secretário de Estado da Energia chamou "coisa asquerosa" e "estrume" ao programa da RTP "Sexta às 9". Direção de informação do canal público reagiu: "As palavras que [Galamba] proferiu atentam contra o bom nome [...], desrespeitam a liberdade de informação" e são "graves". A polémica continua muito acesa.
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Começou tudo na rede social Twitter, no sábado, 8 de maio de 2021, às 16.21 horas. João Galamba, secretário de Estado da Energia nomeado pelo governo PS em 2019, escreveu isto na rede social: "Lamento, mas estrume só mesmo essa coisa asquerosa que quer ser considerada "programa de informação". Mas, se gosta deste caso psicanalítico em busca da sua expiação moral, bom proveito". E a polémica estava lançada.
A opinião de João Galamba sobre o programa de investigação jornalística editado por Sandra Felgueiras na RTP, considerada hostil e injuriosa, vinha em resposta a outra publicação no Twitter surgida 18 horas antes. O seu autor, que provocou toda a hecatombe de comentários que se seguiu, é o utilizador SoundPeaks, que escreva isto: "Todas as semanas abro uma garrafinha do @Joaogalamba e sento-me a ver o estrume por ele produzido". O post tinha depois uma foto de Sandra Felgueiras, autora do "Sexta às 9".
Galamba apaga comentário
Entretanto, o polémico post que João Galamba atirou para o Twitter no passado fim de semana já não surge agora na "timeline" da sua conta pública e terá sido apagado.
Mas o assunto não desapareceu e, antes pelo contrário, inflamou-se, continuando a correr nas redes sociais, multiplicando-se a difusão de um "screenshot" com o agora famoso comentário do governante socialista.
Entretanto foi criada a "hashtag" #estrumegate e a etiqueta já circula nos tópicos de tendências do Twitter, após ter sido criada por Susana Coroado, investigadora. do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa e presidente da associação cívica Transparência e Integridade.
A investigadora comentouo assunto e fez uma sugestão ao Governo: "Na senda do #estrumegate, mas também de outros anteriores, era útil que o governo revisse o seu código de conduta para definir regras sobre as redes sociais dos seus membros. Um código de conduta não serve só para regular conflitos de interesse, mas a conduta em geral dos sujeitos".
SoundPeaks volta a provocar
SoundPeaks, o provocador original da polémica que tem apenas 101 seguidores e estará a apreciar a sua nova popularidade, tem voltado regularmente ao assunto. O seu mais recente post foi feito na tarde desta segunda-feira, 10 de maio.
É uma nova provocação. Diz assim: O que aprendemos com o #estrumegate? Alguém diga ao @Joaogalamba para ver o Spider Man, especialmente aquela parte do "with great power comes great responsibility". Ou o Aladino".
SoundPeaks referia-se ao lema do Homem-Aranha, um super-herói com grande sentido de modéstia e consciência do seu papel no espaço público, cujo lema advoga, justamente, que "os grandes poderes trazem grandes responsabilidades".
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RTP não tem dúvidas e critica Galamba
Foi exatamente isso - a responsabilidade dos que assumem cargos públicos -, que a Direção de Informação da RTP apontou ao comentário infame de João Galamba.
A estação pública portuguesa, em nota publicada ontem, domingo, 9 de maio, na página oficial de Facebook do programa "Sexta às 9", não deixava margem para dúvidas. E apontava quatro problemas: "As palavras que [João Galamba] proferiu atentam contra o bom nome da RTP e da sua jornalista Sandra Felgueiras e desrespeitam a liberdade de informação. Vindas da parte de um membro do governo assumem particular gravidade". E a nota oficial fechava com uma promessa: "Mas nem por isso condicionarão o trabalho dos jornalistas da RTP".
Crítica severa do Sindicato dos Jornalistas
Também o Sindicato dos Jornalistas, em comunicado difundido ontem, criticou diretamente o governante João Galamba:
"O SJ repudia a forma como o Secretário de Estado da Energia se referiu ao programa de informação da RTP, Sexta às Nove". E: "A liberdade de expressão não justifica tudo e considera que uma pessoa com as responsabilidades governativas e públicas de João Galamba deveria ser a primeira a perceber que um ataque à liberdade de imprensa é um ataque à democracia".
E ainda: "O SJ não contesta o direito a opinar que assiste ao Secretário de Estado. O sindicato lamenta, sobretudo, a falta de cultura democrática que leva um governante, na rede social Twitter, a classificar de "estrume" um programa informativo do qual não gosta".
E a conclusão: "O SJ considera ainda que o facto de o governante ter retirado o comentário, não apaga a gravidade do mesmo".
A outra controvérsia vem de 2019
Recorde-se que João Galamba já havia criticado duramente o programa de investigação da RTP, notoriamente em outubro de 2019, na altura a propósito de uma investigação sobre a exploração de lítio em Portugal, assunto que pertence à pasta do secretário de Estado da Energia.
Galamba escreveu, então, na sua página pessoal de Facebook que "o Sexta às 9 mente" e que o programa "opta por continuar a enganar os espectadores".
O texto integral de João Galamba era extenso e continha várias acusações ao programa da estação pública, cuja reportagem apontava o dedo à Lusorecursos empresa de prospeção de lítio em Montalegre.
"O programa Sexta à Nove tem-se dedicado à desinformação sobre a concessão mineira atribuída à Lusorecursos. Foi várias vezes explicado ao Sexta à Nove o enquadramento legal aplicável, mas teimam em não aceitar a explicação e, mais grave, teimam em ignorar" a lei, escreveu João Galamba em outubro de 2019, um dia após a estreia do programa, que tinha sido interrompido durante as eleições desse ano.
E Galamba acrescentou: "Ao contrário do que alega o Sexta às Nove, não há aqui qualquer irregularidade ou anormalidade administrativa". E continuou as críticas: "O Sexta às 9 alimenta mentiras. Ao contrário do que diz na sua peça, a verdade é que a concessão de lítio em Montalegre foi garantida a partir do momento em que o anterior governo (PSD-CDS), atribuiu direitos à empresa".
E, depois, ainda ia mais longe e acusava mesmo o programa de Sandra Felgueiras de enganar os espectadores de forma calculada e premeditada. "O Sexta às 9 mente. Apesar de este gabinete ter enviado, por diversas vezes, respostas com explicações sobre o que diz a lei sobre a atribuição da concessão em causa, o Sexta às 9 insiste em não colocar a resposta dada, optando por continuar a enganar os espectadores".
Sandra Felgueiras não se fica
Nessa altura, Sandra Felgueiras reagiu, pediu ao secretário de Estado respeito pela qualidade factual da notícia que transmitira, e relembrava-lhe o seu lugar:
"Caro João Galamba, nenhum político nem servidor público está acima do escrutínio. A sua resposta é o reflexo pleno do total alheamento dos factos que pretende fazer desde o início", escreveu Sandra Felgueiras.
"Atacar a solidez das nossas dúvidas é atacar neste momento o Ministério Público que abriu um inquérito-crime", sublinhou.
"Não posso tolerar que acuse o Sexta às 9 de mentir quando tudo o que revelamos são factos! Comprovados com prova testemunhal e documental [...]. Compreenda o nosso trabalho. Porque ele é sério. Como sério espero que seja o seu", concluiu então a jornalista.
Críticas multiplicam-se à Direita
O novo comentário de João Galamba feito no dia 8 de maio de 2021, e que espoletou o #estrumegate, motivou outras reações, nomeadamente à Direita do espetro político nacional.
O advogado e presidente do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos, já pediu a demissão de João Galamba, acusando-o de ter atacado "de forma ordinária" um canal de televisão.
"João Galamba, qual 'hater', tornou-se um 'cowboy' do teclado no seu Twitter. Se há uns anos avisava, por SMS, um ex-primeiro-ministro de um processo judicial, agora destila ódio constantemente nas suas redes sociais", disse Francisco Rodrigues dos Santos.
"Um secretário de Estado que não percebe que sem jornalismo, mesmo que incómodo, não há democracia é um secretário de Estado que está a mais e tem de sair imediatamente deste Governo", acrescentou o líder centrista.
Também o eurodeputado social-democrata Paulo Rangel, já deu a sua opinião sobre a polémica no Twitter. "A arrogância do Governo Costa desceu à intimidação vulgar. Já não hesita em fazer bullying à democracia", escreveu o eurodeputado do PSD.