O perfil, as polémicas e o percuso de Capitão Ferreira, centro da "Tempestade Perfeita"
Marco Capitão Ferreira demitiu-se na semana passada e foi constituído arguido no âmbito da operação "Tempestade Perfeita" que envolve altos quadros da Defesa, tema que vai levar ao parlamento a ministra Helena Carreiras, e o anterior titular da pasta, João Gomes Cravinho, atual ministro dos Negócios Estrangeiros.
Corpo do artigo
Quem é Marco Capitão Ferreira?
Marco Capitão Ferreira, jurista, tomou posse como secretário de Estado da Defesa Nacional em março de 2022, desde o início do atual Governo, e antes foi presidente do conselho de administração da idD Portugal Defence, a 'holding' que gere as participações públicas nas empresas da Defesa -- cargo que assumiu em 2020 e para o qual foi nomeado por Gomes Cravinho. É atualmente arguido na operação "Tempestade Perfeita", suspeito dos crimes de corrupção e participação económica em negócio.
Porque se demitiu Marco Capitão Ferreira?
No dia 7 de julho, Marco Capitão Ferreira demitiu-se do cargo de secretário de Estado da Defesa e horas depois foi conhecido que tinha sido constituído arguido no âmbito da operação "Tempestade Perfeita". Nessa semana, o nome de Marco Capitão Ferreira já estava envolto em mais uma polémica e tinha sido aprovada uma audição no parlamento para este governante prestar esclarecimentos sobre um contrato assinado com a Direção-geral de Recursos da Defesa Nacional em 2019 - liderada à data por Alberto Coelho, também arguido na operação "Tempestade Perfeita" - antes de assumir funções no executivo.
Qual o âmbito da investigação que levou a buscas no Ministério da Defesa?
No mesmo dia, o Ministério da Defesa anuncia que a Polícia Judiciária e o Ministério Público fizeram buscas nas instalações da Direção-geral de Recursos da Defesa Nacional, "no âmbito de averiguações a atos praticados entre 2018 e 2021". Sabe-se mais tarde que Marco Capitão Ferreira também foi alvo destas buscas e acaba constituído arguido no âmbito do processo "Tempestade Perfeita", que envolve altos quadros da Defesa.
Já em dezembro de 2022, o Ministério da Defesa tinha sido alvo de buscas no âmbito desta operação, ligada à Direção-Geral de Recursos da Defesa e que já contava com pelo menos 19 arguidos. Esta investigação visa apurar a eventual prática de crimes de corrupção ativa e passiva, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e branqueamento, ilícitos relacionados com adjudicações efetuadas.
Porquê a polémica do contrato com a Direção-geral de Recursos?
No centro da audição que foi aprovada no parlamento estava mais uma polémica que envolvia Marco Capitão Ferreira: um contrato de assessoria assinado em 2019 entre o ex-secretário de Estado e a Direção-geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN), à data liderada por Alberto Coelho - um dos envolvidos na operação judicial "Tempestade Perfeita" e nome ligado à derrapagem dos custos na requalificação do antigo Hospital Militar de Belém.
Com uma vigência de 60 dias e no valor de 50 mil euros mais IVA (61,5 mil euros), o contrato de assessoria foi assinado em 25 de março de 2019 e os serviços foram concluídos quatro dias depois, em 29 de março desse ano. A assessoria foi dada no âmbito da renegociação dos contratos de manutenção dos helicópteros EH-101.
O primeiro-ministro pronunciou-se sobre o assunto?
No dia 8 de julho, antes de um Conselho de Ministros informal em Sintra, o primeiro-ministro não comentou a exoneração do secretário de Estado da Defesa. Usando um recurso que já lhe é habitual, apelou a que se deixe a "justiça funcionar" e garantiu que o foco do Governo está nas preocupações dos portugueses.
E o presidente da República, como reagiu ao anúncio de uma auditoria?
A 10 de julho, o presidente da República manifestou apoio à realização de uma auditoria à gestão financeira das indústrias de Defesa, em nome da transparência.
Já sobre as declarações do primeiro-ministro, Marcelo Rebelo de Sousa considerou que António Costa não pode ter pretendido desvalorizar a importância da transparência e da corrupção para os portugueses e que "certamente isso foi um mal-entendido".
Dias mais tarde, depois de ter sido criticado pela oposição, o primeiro-ministro escreve um artigo de opinião no jornal 'online' Observador afirmando que não desvaloriza a corrupção, e que o tem demonstrado no seu percurso político "sem retórica e com ação", acusando os críticos de construírem "uma mentira".
Quem vai estar na audição parlamentar?
O antigo secretário de Estado, cuja audição foi aprovada antes de se ter demitido e de ser constituído arguido, informou a comissão de Defesa que não estará presente no parlamento, invocando a sua condição no processo.
Já a atual ministra da Defesa, Helena Carreiras, e o anterior titular da pasta, João Gomes Cravinho, são chamados à Assembleia da República.
E que fez o Ministério da Defesa perante estas revelações?
No dia 12 de julho, a ministra da Defesa Nacional envia uma carta ao presidente do Tribunal de Contas a pedir uma auditoria financeira à idD Portugal Defence.
Numa resposta enviada à Lusa, o ministério disse que no final de 2022 houve um reforço da ação da Inspeção-Geral da Defesa Nacional "no sentido de realizar auditorias e outras ações nos serviços e organismos do Ministério da Defesa e empresas da Defesa, e que já foram realizadas ou estão em curso ações inspetivas nas áreas do património, das empreitadas de obras públicas e da contratação pública".
Foram também realizadas auditorias e "ações orientadas à gestão do risco e da prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas" nos serviços e organismos da tutela, incluindo a IdD -- Portugal Defence e empresas na área da Defesa onde o Estado detém participações sociais, nomeadamente a Arsenal do Alfeite, ETI, Naval Rocha, OGMA, Extra, entre outras.
Na terça-feira à noite, Helena Carreiras também anunciou uma auditoria às assessorias da Direção-Geral de Recursos da Defesa. Esta semana, o parlamento aprovou, com a abstenção do PS, um requerimento do PSD para a realização de uma auditoria suplementar, pelo Tribunal de Contas, aos processos de contratação e aquisição da idD -- Portugal Defence, entre 2020 e 2022.
Quais as principais polémicas que envolvem Marco Capitão Ferreira?
Segundo informação enviada ao parlamento pelo Ministério da Defesa sobre a assessoria de Capitão Ferreira à Direção-geral de Recursos, avançada pelo semanário Expresso e à qual a Lusa teve acesso, o ex-secretário de Estado começou a dar a assessoria antes de assinar o contrato, que cumpriu em quatro dias.
Esta assessoria era relativa à renegociação dos contratos de manutenção dos 12 helicópteros EH-101, que asseguram missões de busca e salvamento. Segundo o Expresso, quando era titular da pasta, João Gomes Cravinho terá avançado, sem cobertura do Tribunal de Contas, com um despacho a autorizar despesa até 3,25 milhões de euros, estendendo a vigência do contrato dos EH-101 por mais três meses, até 31 de março de 2019, e aprovou a constituição de uma equipa para renegociar o contrato.
Antes de assumir funções no executivo, Marco Capitão Ferreira passou por várias empresas do setor da Defesa e chegou a ser ouvido no parlamento sobre gestão e contratações da IdD Portugal Defence. Uma dessas contratações - avançada na altura pela TSF - foi a de José Miguel Fernandes, em fevereiro de 2021, ex-presidente do Arsenal do Alfeite que se tinha demitido do cargo por "motivos pessoais" mas foi depois contratado para assessorar a IdD e elaborar um estudo que, segundo o semanário Expresso, terá sido uma assessoria "fantasma".
Em novembro de 2021, Marco Capitão Ferreira foi também ouvido no parlamento sobre Alberto Coelho, que foi substituído no cargo de diretor-geral de Recursos da Defesa Nacional e meses depois nomeado para presidente do conselho de administração da Empordef - Tecnologias de Informação, apesar de na altura o seu nome já ser referido numa auditoria da Inspeção-Geral de Defesa Nacional (IGDN) à derrapagem das obras no antigo Hospital Militar de Belém.
A responsabilidade sobre a nomeação de Alberto Coelho para a Empordef também gerou polémica, tendo sido assumida em momentos diferentes tanto por Marco Capitão Ferreira, como por João Gomes Cravinho.