Há 28 freguesias no país sem registo de crianças há cinco anos. Em 2020, houve 369 localidades a zero. Este "Portugal sem pequenitos" é uma marca do interior.
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Em Portugal nasceram, no ano passado, 84 691 crianças, mas há 369 freguesias que não contribuíram com um único bebé. E, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) analisados pelo JN, 28 freguesias estão a zero há cinco anos.
O número de nascimentos tem decrescido progressivamente. O ano de 2020 foi o que registou a maior quebra desde 2015 e, comparativamente com 2019, nasceram menos 2335 bebés. Num ano, mais 14 freguesias juntaram-se ao território "infértil".
Mas há locais onde ninguém nasce há muito mais tempo. É o caso de Rendufe, em Ponte de Lima, que o JN visitou por ali não se comemorar um nascimento há 12 anos. É um "Portugal sem pequenitos" fruto da desertificação e do envelhecimento da população no interior. Especialmente no Norte e Centro. De acordo com os dados do INE relativos a 2020, no ano em que começou a pandemia, não viram nascer qualquer criança 28 freguesias.
Sete sem festa desde 2015
Mas há sete onde não há descendentes desde 2015: Cerejais (Alfândega da Fé), Caravelas (Mirandela), Pessegueiro (Pampilhosa da Serra), São João do Peso (Vila de Rei), Castelo Bom (Almeida), Minhocal (Celorico da Beira) e Ribeira da Janela (Porto Moniz). Nas restantes 21, a ausência de nascimentos já dura, pelo menos, desde 2014.
Em muitas outras, como Cabana Maior (Arcos de Valdevez), Boalhosa (Ponte de Lima), Peredo da Bemposta (Mogadouro) ou Ousilhão (Vinhais), só houve um nascimento desde 2014.
Reportagem
Gosto de ser a mais nova da aldeia. Sinto-me importante
Gabriela Pereira, de 12 anos, é a habitante mais nova da freguesia de Rendufe, Ponte de Lima. Foi a última criança a nascer na aldeia. Recentemente, uma filha da terra que se encontrava fora regressou para fixar residência, trazendo um bebé, mas Gabi continua a ostentar o título de "caçula" de Rendufe. "Gosto de ser a mais nova da aldeia. Sinto-me importante", comenta, referindo que o menos bom de ter aquele estatuto é a falta de amigos da sua idade. "É uma seca. Às vezes, prefiro estar na escola do que em casa, para ficar com os meus amigos. Aqui, só tenho o meu irmão, que tem 17 anos, e mais duas raparigas que são filhas do presidente da Junta", afirma Gabriela.
Os amigos são os animais
Para brincar, conta com a gata Mia e dos cães Júpiter, Nero e Mara, além de galinhas e patos. "Adoro animais. Os meus pais até se queixam que passo muito tempo com eles. É muito relaxante. Eles só querem brincar e eu também. Não arranjam preocupações, não têm problemas e não são mentirosos. Só não falam. É a única coisa que lhes falta".
Aluna "de cinco", "Gabi" foi este ano outra vez a melhor aluna da turma, revela, confessando que gosta de artes. E que pensa sair de Rendufe, "mas só quando for para a universidade".
A mãe, Rita Pereira, de 40 anos, conta que casou com um jovem da aldeia e ficou. "Os jovens vão embora. Fui a única que fiquei por aqui. No meu tempo éramos 30 a 40 crianças. Ainda havia escola primária, mas depois acabou tudo", recorda, referindo que o cenário atual "é triste" para a filha.
Gabriela interrompe a conversa para dizer que "gostava de ter um irmãozinho mais novo". A mãe tem a resposta pronta. "Ai, isto não é assim. Fechei a loja. Hoje em dia ter filhos, tudo bem que é uma alegria, mas dar-lhes as condições que a sociedade exige não é fácil", diz ao JN e a quem pediu.
Manuel Rodrigues, 42 anos, presidente da União de Freguesias de Labrujó, Rendufe e Vilar do Monte, foi dos poucos a contribuir para a natalidade da aldeia, com duas raparigas. A mais nova, Manuela, tem 16 e foi a penúltima a nascer no lugar. "Estivemos 12 anos sem nascer ninguém. É preocupante, porque entre 2011 e 2021 perdemos 102 habitantes", lamenta o autarca.