A Worldcoin Foundation, presente em vários centros comerciais do país, paga para recolher imagens da cara e da íris das pessoas. O uso dos dados biométricos levantou dúvidas e a Comissão Nacional de Proteção de Dados suspendeu a atividade da empresa.
Corpo do artigo
Como funciona a recolha de dados?
A Worldcoin, que opera em 17 locais em Portugal, paga às pessoas que permitem a leitura dos dados biométricos da íris, dos olhos e do rosto. As esferas metálicas nas máquinas que recolhem os dados, conhecidas por “orb”, conseguem distinguir se quem está à sua frente é um humano, um animal ou um simples cartaz. Posteriormente, recolhem imagens da íris e da cara dos clientes e geram um código anónimo que é enviado para uma base de dados. Depois, é criado um passaporte digital (World ID), que comprova que a pessoa é um humano real e único. No início do mês de março, mais de 300 mil portugueses já se tinham registado na aplicação.
Quem pode vender os dados da íris?
Ao JN, Ricardo Macieira, diretor regional para a Europa da Tools for Humanity, explicou no início deste mês que "a Worldcoin não discrimina". Desta forma, "qualquer pessoa que se queira juntar ao projeto, e que seja maior de idade, poderá fazê-lo". No entanto, já foram registados casos de menores que instalaram a aplicação e permitiram a recolha dos dados biométricos. A empresa não pede documento de identificação por não estar autorizada a fazê-lo e os funcionários tentam perceber se os clientes são maiores de 18 anos pela aparência. No caso de dúvida, não fazem o registo.
Qual o objetivo da empresa?
O projeto foi lançado por Sam Altman da Open AI, dono do ChatGPT, e tem como objetivo criar um passaporte digital que permita aos utilizadores autenticar-se online. A leitura da íris, por ser o dado mais distintivo do ser humano, consegue provar que se trata de uma pessoa e não de um robô. As características da íris de cada um são únicas e permanecem iguais durante a vida toda. Valem tanto como uma impressão digital.
Porque é que a Proteção de Dados suspendeu o projeto?
A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) já tinha confirmado ao JN que existia um processo de averiguação a decorrer relativamente à Worldcoin, bem como uma ação de fiscalização e diligências junto das empresas envolvidas. A CNPD revelou, no início de março, que tinha recebido “várias denúncias de cidadãos sobre as condições concretas em que estão a ser recolhidos dados biométricos pelo projeto Worldcoin”, salientado a “grande preocupação pela recolha de dados de menores sem a autorização dos pais, além de receio pela forma como estes dados biométricos podem vir a ser usados”.
Esta terça-feira, a comissão decidiu "suspender, no território nacional, a recolha de dados biométricos da íris, dos olhos e do rosto realizada pela Worldcoin Foundation, com vista a salvaguardar o direito fundamental à proteção de dados pessoais, em especial dos menores".
Os dados da íris podem ser recolhidos em Espanha?
A Agência Espanhola de Proteção de Dados (AEPD) ordenou a suspensão da atividade da empresa Worldcoin no dia 6 de março. A AEPD já tinha anunciado a abertura de uma investigação à atividade da empresa a 20 de fevereiro, na sequência de quatro queixas que tinham chegado a este organismo. A Worldcoin incorre em sanções que podem chegar aos 20 milhões de euros se continuar a recolher dados em Espanha e está obrigada "a bloquear" toda a informação que obteve até agora no país e que envolve cerca de 400 mil pessoas.
A presidente da AEPD alertou para os riscos de ceder dados pessoais, sobretudo biométricos, uma vez que podem ser usados para roubos de identidade ou controlos não voluntários por parte de empresas, por exemplo, acabando potencialmente por "condicionar o futuro" de uma pessoa.
A Worldcoin já informou que vai tomar medidas legais e levar a cabo uma ação judicial contra a AEPD, por considerar que a medida cautelar da entidade não respeita a regulamentação europeia. A empresa garante que "cumpre integralmente todas as leis e regulamentos que regem a recolha e a transferência de dados biométricos".
Qual é a resposta da Worldcoin?
Jannick Preiwisch, responsável pela Proteção de Dados na Worldcoin Foundation, defendeu esta terça-feira que "a Worldcoin está em total conformidade com todas as leis e regulamentos que regem a recolha e transferência de dados biométricos, incluindo o Regulamento Geral de Proteção de Dados da Europa".
A dirigente disse ainda ter "o maior respeito pelo papel e responsabilidades das autoridades de proteção de dados, incluindo a CNPD em Portugal", realçando que o relatório da entidade referia "o tema de verificações por menores em Portugal", para o qual a empresa tem "tolerância zero". Afirma estar a "trabalhar para resolver em todas as instâncias, mesmo que sejam poucas situações".
Como funciona o pagamento por criptomoedas?
A empresa paga 10 moedas digitais - cerca de 80 euros - só pela leitura deste dado biométrico e, a cada 12 dias, o cliente ganha três moedas. Segundo dados recolhidos hoje pelo JN, o valor da Worldcoin neste momento é de 8,29 euros. Há cada vez mais familiares e amigos a incentivarem outras pessoas a fotografarem a íris em troca de criptomoedas. Quantos mais convidarem, mais recebem.