Ostracizada, a mítica praça em Campanhã, no Porto, prepara-se para um novo rumo. Um concurso de quase cinco milhões de euros vai requalificar todo o espaço envolvente. Para chamar mais moradores, para dinamizar o comércio e para dar ânimo a uma zona carente de vida
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Não fosse o barulho da criançada que brinca no recreio da Escola Básica ali ao lado e o jardim da Praça da Corujeira seria um enorme poço de silêncio num dia de semana. É sempre assim, dizem os poucos assíduos que o frequentam. "Já ninguém lá pára. Há mais de dez anos que está tudo ao abandono. Não se veem novos, não se veem velhos, não se vê ninguém". O lamento é de Fernando Ribeiro, 57 anos, tantos quantos os de morador em Campanhã, a maior freguesia do Porto em termos de área, mas apenas a quarta em número de habitantes, 32 mil, segundo o Censos de 2011, depois de Paranhos, Centro Histórico (Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, Vitória e São Nicolau) e Ramalde.
De facto, o corredor de bancos de pedra que atravessa o comprimento do extenso jardim está vazio de gente, os plátanos agora despidos de folhas pedem manutenção aparente, um antigo lago com uma pequena ponte guarda lodo em vez de água, na relva há lixo e fezes de animais à vista, a terra transforma-se em lama quando chove. Sobra gente de passagem, raramente de paragem.
"Até as casas de banho foram encerradas. Acabaram, também, com o parque infantil, que dantes chamava muitas crianças", desabafa o reformado Alberto Valente, 66 anos. "Até chegou a haver uma feira de gado, antes do 25 de Abril. Depois, as coisas foram morrendo aos bocados até chegarem ao ponto em que estão agora, que já ninguém liga a isto. Tudo fechou à volta, é um deserto, ninguém quer vir cá morar e os que daqui saem não regressam", atira, por sua vez, Amílcar Ribeiro, de 79 anos.
Investimento de 4,4 milhões de euros
Para tentar que a Corujeira recupere a pujança de outrora, quando era um dos centros nevrálgicos de Campanhã, não estivessem ali a sede da Junta de Freguesia, o Centro Social e outras valências, além de negócios dos mais diversos ramos, a Câmara do Porto lançou recentemente um concurso público para a requalificação da praça e da sua envolvente. São 4,4 milhões de euros de orçamento para permitir que seja levada a cabo uma "efetiva integração da zona oriental com a cidade" para que se transforme em "centralidade renovada", conforme estabeleceu a Autarquia. Outro propósito é "combinar perspetivas ambientais, urbanísticas e de coesão social assentes em soluções com base na natureza", dando corpo e forma a ações do projeto verde URBiNAT.
Além da praça principal, haverá intervenções na Rua Nova da Corujeira, Rua Central da Corujeira, Rua de Ferreira dos Santos, Rua das Escolas e na Rua de São Roque da Lameira. A responsabilidade é da GO Porto - Empresa Municipal de Gestão e Obras. "Melhorar as condições de utilização da rede viária municipal e intermunicipal" é outra das ambições.
A apresentação dos projetos decorre até ao final do mês de março. Segundo apurou o JN, até ao momento ainda não foi sujeita qualquer candidatura.
Vai ser uma âncora para a Zona Oriental do Porto. Para quem vive ostracizado há tantos anos, tudo o que venha é uma dádiva bem-vinda
"Vai ser uma âncora para a zona oriental do Porto. Para quem vive ostracizado há tantos anos, tudo o que venha é uma dádiva bem-vinda", classifica Ernesto Santos, presidente da Junta de Campanhã.
Além da requalificação da Corujeira, a freguesia tem em marcha dois projetos que prometem contribuir para deixe de ser parente pobre do Porto: o Matadouro - que aguarda luz verde do Tribunal de Contas para ser reconvertido - e o Terminal Intermodal, cujos trabalhos estão em andamento e deverão terminar no próximo ano.
Em abril do ano passado, a Câmara do Porto calculou em 177 milhões de euros o valor total dos projetos da denominada Operação de Reabilitação Urbana (ORU) da Corujeira/Campanhã. "Um plano para o desenvolvimento a médio prazo de mais de um quinto do município e que pretende captar investimento privado e público", como então definiu Pedro Baganha, vereador do Urbanismo. O objetivo é que na próxima década e meia, no máximo, sejam concretizados projetos que deem um novo perfil à freguesia e que seja garantido um plano de reabilitação urbana que arraste consigo novos moradores e novas dinâmicas de mobilização da economia local.
"É urgente fazer obras na Corujeira. Aliás, já é urgente há muitos anos. Precisa de respirar mais e tornar-se apetecível. Para isso é necessário, entre outras medidas, derrubar árvores, algumas estão doentes", entende Ernesto Santos. "Se tudo for para a frente, é bastante possível voltar a chamar pessoas", acredita o autarca.
Ernesto Santos confia que as obras previstas pela Câmara do Porto sejam também chamariz para devolver moradores a Campanhã. "Se juntarmos o projeto da Corujeira ao do Matadouro e, até, o do Terminal Intermodal, é possível que as pessoas sejam atraídas, sobretudo os jovens", entende. Mais uma esperança para Campanhã, a freguesia que tarda em afirmar-se Porto.