<br/> Mais tempo passado em casa, mais oportunidade para a melhorar. As intervenções em habitações aumentaram significativamente durante a pandemia de covid-19. Os especialistas no mercado acreditam que até ao final do ano e durante o próximo os portugueses vão continuar a apostar em remodelações.
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A ideia fervilhava há muito em Cristiano Alba, faltava apenas tempo e oportunidade para a colocar em prática. Um imóvel de família deste profissional de saúde de 31 anos pedia obras profundas, que o transformassem por completo e lhe devolvessem a dignidade de outros dias. Situada na Portela de Sacavém, concelho de Loures, a casa esteve alugada anos a fio a um inquilino que dela pouco cuidou. "Até as paredes estavam escurecidas do fumo de tabaco que ele fumava", descreve Cristiano, que viu na pandemia "altura ideal" para finalmente levar o sonho antigo adiante e arrancar com a remodelação que tanto desejava. "Recuperar a casa teve um lado sentimental, por ser do meu pai, e também foi uma oportunidade para dar trabalho a pessoas que, provavelmente, não o iriam ter devido ao período complicado que o país enfrentou devido à covid-19", explica.
Depois de estudado o projeto e planeado o mapa das intervenções, foi tempo de meter mãos à obra. Quase um ano depois, sempre em período pandémico, o espaço ganhou vida nova, aquela que Cristiano Alba sempre ambicionou dar-lhe.
Subida inesperada
O antigo T3, dantes "escuro e sem energia", é agora um ponto de luz permanente, com mais capacidade de circulação interior, uma estética diferente, transformado num T2 com ares modernos e linhas e materiais de última geração. Até as redes elétrica e de saneamento foram substituídas e trocadas por outras de raiz. "Parece novo", resume o proprietário.
Cristiano Alba foi um dos muitos portugueses que contribuíram para o aumento significativo do número de intervenções interiores em imóveis desde o início da pandemia, ou seja, no último ano e meio. De então para cá, registou-se uma subida inesperada destas obras particulares. Só a rede de franchising MELOM e Querido Mudei a Casa Obras (QMACO) registou 9515 pedidos de serviços, qualquer coisa como mais 56% no valor médio de obra em comparação, números relativos à comparação entre o primeiro semestre de 2021 com o mesmo período de 2020.
"Este aumento foi resultado de uma subida na procura por obras maiores e mais complexas, remodelações gerais em vez de pequenas reparações ou instalações", explica João Carvalho, arquiteto e cofundador da MELOM QMACO. A pandemia ajuda a justificar o fenómeno, por surpreender o normal dia a dia do comum cidadão e o obrigar a ficar recolhido por força das circunstâncias em confinamentos que obrigaram a teletrabalho e muitas mais horas passadas entre quatro paredes. "Funcionou como catalisador do nosso setor porque contribuiu para uma diferente perceção da casa", adianta João Carvalho. "Se numa primeira fase os portugueses realizaram reparações ou alterações por eles próprios numa lógica de "do it yourself", estão agora a realizar intervenções de fundo para as quais não têm competência técnica", comprova.
Os aumentos foram registados de uma forma geral por todo o país, embora com maior incidência nos distritos de Lisboa e Porto
Ainda assim, as obras em interiores acabaram por disparar para valores que apanharam os próprios atores no terreno de surpresa e pela transversalidade da procura a nível de território. "Os aumentos foram registados de uma forma geral por todo o país, embora com maior incidência nos distritos de Lisboa e Porto", aponta o responsável.
Transversais foram, também, os pedidos realizados, desde trabalhos de remodelação geral, como no caso do imóvel de Cristiano Alba, a intervenções específicas que requereram mãos de técnicos especializados, como em cozinhas e casas de banho. "Curiosamente, e fruto também da pandemia, existiu ainda uma grande procura por remodelações de zonas de exterior, tais como varandas, terraços e jardins", conta João Carvalho. A maior parte das obras ocorreram em apartamentos de tipologia T2 ou T3.
Os dados da MELOM QMACO vão de encontro a outros revelados no início do ano pela Habitissimo. Esta plataforma digital de construção deu a conhecer que, de uma análise aos 100 350 pedidos de orçamento para obras em casa, resultou a conclusão de que "os portugueses alteraram fortemente as decisões em relação a obras consideradas prioritárias".
Presenciámos uma mudança abrupta nos hábitos de vida que tínhamos, onde a casa passou a desempenhar um papel principal que não tinha até aqui
Passadas a pente fino as diferentes categorias, o crescimento foi na ordem dos 61%. Portalegre, Bragança, Castelo Branco, Viana do Castelo e Santarém foram os distritos com mais pedidos solicitados na plataforma. "O aumento verificado mostra que as pessoas, num setor eminentemente tradicional como o da construção, veem nas respostas online e nos serviços "on demand" a solução para as suas necessidades", sublinhou, em comunicado, Ariel Quintana, responsável da Habitissimo em Portugal.
Agora que o período mais crítico da pandemia parece estar ultrapassado, persiste a expectativa sobre se o futuro continuará a multiplicar a vontade dos portugueses de realizarem obras em casa. Uma dúvida que os dados relativos ao segundo semestre do ano, ainda que provisórios, ajudam a dissipar. "Acreditamos que poderemos ter um crescimento face a 2019, ao período pré-pandemia", antecipa João Carvalho, da MELOM e Querido Mudei a Casa Obras. "Esperamos um significativo aumento para o segundo semestre deste ano e também para 2022", prevê.
O mesmo é dizer que a regra continuará a ser a de privilegiar alterações de fundo no interior das habitações, mesmo quando a tendência para trabalhar em casa decrescer assim que os números da covid sejam cada vez mais reduzidos. Reflexos de uma filosofia que a pandemia veio trazer ao mercado, completamente inesperada nos seus reflexos diretos. "Presenciámos uma mudança abrupta nos hábitos de vida que tínhamos, onde a casa passou a desempenhar um papel principal que não tinha até aqui", conclui João Carvalho.