Onda bloquista no Porto: as queixas do Bolhão, os abraços, as casas e a mira a Ventura
Houve cravos, muitas fotos, bandeiras, percussão e autógrafos na arruada do BE no Porto, onde o tempo se alongou no Bolhão. Não faltaram queixas de comerciantes e uma delas contou que chegou a andar ao colo do pai de Mortágua. Habitação, Direita "sem futuro" e suspeitas sobre o Chega no centro da passagem pelo Porto.
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As palavras de ordem gritadas pelo séquito que acompanhou a comitiva do Bloco de Esquerda que hoje andou pelo coração do Porto e as três instrumentistas que lhe abriam caminho abafaram os pregões pouco enérgicos das vendedoras do Mercado do Bolhão, onde começou a arruada do partido e onde Mariana Mortágua se alongou em conversa com comerciantes e clientes. Foram 40 minutos em passo vagaroso pelas ruelas do mercado e ao longo dos quais a dirigente do BE, acompanhada pela cabeça de lista pelo Porto, Marisa Matias, e por várias figuras e apoiantes do partido, foi ouvindo as principais queixas - e os agradecimentos - de quem lá trabalha há décadas, antes de seguir para uma Santa Catarina que lhe abriu caminho. "Vira à esquerda" - pois, claro -, disse um assessor à chegada ao principal mercado da cidade. E a onda bloquista virou.
Ermelinda Lopes, da peixaria com o mesmo nome, num canto atabafado do mercado, não gaguejou por um momento enquanto falava com Mariana, mesmo com as câmaras de televisão e os microfones dos jornalistas todos apontados para si. Queixou-se sobretudo da fama que ganhou o novo Bolhão, "feito para turistas", e da estratégia que "empurrou os antigos para canto". "Estamos com problemas graves por resolver. Queremos o povo portuense novamente no mercado, não podemos permitir o que está a acontecer. Não temos mercado de frescos, como nos prometeu o presidente. Temos duas peixeiras. Queremos o turista, que nos pode ajudar, mas o portuense é aquele com quem ganhamos a vida todo o ano", disse a peixeira, "uma das mais antigas", apontando aos "preços astronómicos" que diz estarem a ser praticados no local e a afugentar clientes.
"Estamos a ter fama de ser mercado caro, quando continuamos com os nossos preços, que são baratos e bons para o cliente, no fresco, nos congelados, nas hortaliças, nas carnes. Os turistas não nos vêm comprar nada. São os mini-restaurantes e as bancas de marisco com rendas altas que estão a pôr o mercado caríssimo. Os portuenses que entram aqui dizem que é tudo caro", continuou, enquanto as cabeças dos bloquistas abanavam para cima e para baixo, como que a darem-lhe razão. "O pequeno comércio está encostado a um canto", soltou Mariana. "Exatamente!", retorquiu Ermelinda, garantindo que vai votar Bloco nas próximas eleições, como votou nas anteriores. "Estão sempre do nosso lado."
A outra peixeira de que fala Ermelinda é Bininha, que quase nasceu no Bolhão, assim diz, e que repete as reclamações da colega, cada vez com mais certezas de que o caminho do mercado é afastar-se da génese e da tipicidade. "Os meus clientes são os antigos, que vão comprando. De resto, é só turistas de copo na mão a passear. Aqui ao lado, a banca das ostras paga 2200 euros de renda", contou ao JN, já depois da passagem da deputada. Admite a necessidade de modernização, mas não esconde o desapontamento de ver o espaço de trabalho reduzido a uma banca "miserável" num corredor. Mais a falta de condições, o calor no verão, o frio no inverno, as tomadas coladas às pias da loiça. "Qualquer dia morro aqui", disse a funcionária de Bininha, enquanto mostrava o interior do espaço.
Falando depois aos jornalistas, Mariana Mortágua disse que "o mercado foi requalificado mas que, como tantas vezes acontece, em Lisboa e no Porto, hoje é muito mais apenas para turistas e não para quem quer fazer a sua vida do pequeno comércio". "E é sobre isso que temos falado nesta campanha: das dificuldades em aceder à habitação, sobre as dificuldades do pequeno comércio, sobre a vida difícil de quem ganha salários em Portugal e tem de fazer a sua vida em Portugal", sublinhou.
Uma das primeiras interpelações à comitiva bloquista foi feita por dois lesados do BES, empunhando um cartaz que os identificava e lamentando aquilo que dizem ter sido uma "solução mal feita, injusta, parcial e discriminatória" para a qual não terão sido consultados, apelando a apoio futuro da dirigente do Bloco "para resolver uma situação que tem dez anos" e antecipando um pedido de reunião que farão em breve, como já fizeram no passado.
"Só não queriamos que se esquecesse de nós", insistiram, dirigindo-se a Mariana, com quem falou, de seguida, um jovem utente da Unir, a nova e muito criticada rede de transportes da Área Metropolitana do Porto, uma funcionária pública que queria ajuda para perceber uma política do Governo e uma jovem que alertou para a problemática da habitação e que agradeceu o trabalho feito pelo Bloco nessa área.
Na Delícia do Porto, do lado direito do Bolhão quem olha para a rua Formosa, Mariana Mortágua foi descobrir uma curiosidade que valeu um abraço forte. "Quando era bebé, o seu pai andou comigo ao colo", contou-lhe Olga, muito sorridente, depois de lhe dar para a mão um prato com a famosa delícia, que repartiu em pedaços pelos bloquistas que ladeavam Mariana.
De resto, foram muitos os abraços, os beijinhos e as fotografias pedidas por quem passava, desde a pequena Mariana, que achou piada ter o mesmo nome que a candidata, a Rosete, brasileira a viver em Portugal há 20 anos, que quis ir dar força à política que tanto admira. Mariana Mortágua e Marisa Matias, ambas com cravos vermelhos feitos de crochê levados ao peito, foram estrelas num mercado que as recebeu com elogios e agradecimentos, e que se encheu de bandeiras do partido e com as cores da comunidade LGBT. Igual do lado de fora, à saída: com exceção para alguém que soltou um "mentirosa" quando viu Mortágua junto à Manteigaria, todas as pessoas que se dirigiram à dirigente bloquista, do Bolhão até ao fim da rua de Santa Catarina, a chegar à Batalha, fizeram-no com palavras de força. "Não lhes dês descanso", gritou um senhor que passava em frente ao Majestic, replicando a inscrição dos autocolantes colados nos casacos de quem seguia a caravana, para quem três mulheres abriam caminho com instrumentos de sopro e percussão.
Habitação "prioridade" e Direita "agarrada ao passado"
Tendo como palco uma cidade onde os constrangimentos no acesso à habitação se têm agravado, e respondendo a uma pergunta do JN sobre esse tema, a coordenadora do Bloco de Esquerda apontou que essa é "uma das grandes prioridades, senão a grande prioridade" que o país tem pela frente. E enumerou várias medidas defendidas pelo partido, que se assume como "o que mais levantou o problema da habitação em Portugal", e que podem combater a crise e "baixar os preços das casas já": tetos às rendas, regras para aumentos das rendas, proibir a venda de casa a nao residentes - "as casas são para viver, não são para especular" -, baixar os juros dos créditos à habitação.
Como, de resto, tem feito durante a campanha bloquista, Mariana Mortágua não poupou críticas a uma Direita "que está sempre a olhar para o passado". Sobre o PSD, voltou a dizer que não há uma proposta de futuro e que o máximo que o partido "consegue fazer é tentar convencer as pessoas de que não vai cortar nas pensões".
"Não vai além disso: tentar dizer que não corta nas pensões; tentar dizer que os candidatos que querem pôr em causa o direito ao aborto afinal não são candidatos e não podem ser ouvidos; dizer que os candidatos que negam as alterações climáticas afinal não é bem assim; tentar esconder quando aparece um ex-primeiro-ministro responsável por um crime de guerra, a invasão do Iraque. A Direita é isto", atirou Mariana, destacando, em alternativa, que a proposta do Bloco para o país passa por "virar a página da maioria absoluta, olhar para o povo e perceber quais são os principais problemas que enfrenta", nomeadamente na habitação, na saúde e nos salários.
Corrupção: "Ventura tem explicações a dar ao país"
Falando sobre a importância do combate à corrupção, nomeadamente no que diz respeito à transparência do financiamento dos partidos e ao cumprimento de regras, a líder bloquista apontou baterias ao Chega, cujo líder negou hoje, em Coimbra, quaisquer irregularidades nas contas.
"Há um partido em Portugal que não cumpre. Há um partido que não diz de onde recebe dinheiro e, quando diz, sabemos que são de grandes empresas e grandes milionários. Há um partido que está em risco de ter financiamento ilegal, quebrar a lei, uma lei de combate à corrupção, precisamente de transparência, no financiamento partidário. Esse partido é o Chega e o Chega tem explicações a dar ao país", defendeu, em reação a uma notícia da TVI que dava conta de indícios de “incumprimento da lei dos donativos” e “eventuais financiamentos proibidos” que remontam a 2019.
Acusando Ventura de "fugir ao escrutínio da democracia e da comunicação social", Mariana Mortágua avisou que o Bloco de Esquerda vai perguntar todos os dias "quem é que paga a campanha, quem é que dá dinheiro, onde é que estão as contas e onde é que estão os nomes dos financiadores do Chega". "Não é possível admitir que haja um partido que acha que está acima da lei", asseverou.