Alfredo Assunção, portuense e portista que saca do cartão de sócio se vem à baila a fé clubística, podia ter sido futebolista, mas sonhou e viveu uma carreira militar que teve no 25 de Abril um ponto alto. Então tenente de Cavalaria, foi adjunto de Salgueiro Maia no comando das tropas revoltosas de Santarém. Ficou famoso por enfrentar carros de combate de braços abertos e levar duas bofetadas de um brigadeiro. Dias memoráveis e sem repouso: "Para nós, nunca foi uma festa".
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Ontem, a filha do major-general na reforma fez 42 anos. Fazia dois quando ele, à noite, saiu da casa de um amigo onde estavam provisoriamente instalados, em Santarém. Pelas 23 horas, disse "vamos dormir": "A minha mulher não sabia de nada. Depois, arranjei uma mentira qualquer para ir à Escola Prática de Cavalaria".
Ao chegar ao quartel, estava toda a tropa já na parada: "Assumi a minha função. Se falhássemos em Lisboa, recuaríamos para Santarém e resistiríamos. Estávamos completamente decididos a derrubar o regime".
Lembra-se bem da chegada a Lisboa e da passagem pelo RALIS, onde estavam detidos oficiais implicados no golpe das Caldas, a 16 de março. E recorda pequenos obstáculos nas ruas da capital: "Havia polícias a incomodar-nos, mas isso era fácil".
"Estávamos em combate e tínhamos de vencer", diz. Foi esse espírito que o levou à Rua do Arsenal e a enfrentar dois possantes carros de combate. "Deviam estar do nosso lado, mas um oficial adormeceu. Não tínhamos armamento para resolver o problema", conta, explicando que avançou ao ver o comandante de Cavalaria 7 (unidade fiel ao regime), coronel Romeiras Júnior, que 15 dias antes lhe dera uma mostra de caráter: "Cheguei da Guiné e fui mobilizado e desmobilizado por Cavalaria 7. Expliquei-lhe: meu coronel, não posso ficar, porque estou envolvido nisto. E ele não me entregou à PIDE...".
O episódio seguinte é conhecido. Assunção e Romeiras entraram numa confeitaria, onde o coronel tentou ligar ao general Costa Gomes. Entretanto, Assunção fizera sinais aos homens dos tanques, para desativarem os mecanismos de disparo.
"Quando saímos da confeitaria, o brigadeiro Junqueira dos Reis enfiou-me duas bofetadas valentes, chamou-me insurreto e mandou que me matassem, mas o coronel pôs-se à minha frente. O brigadeiro estava de pistola na mão e podia ter disparado...", nota Alfredo Assunção, que regressou ao Terreiro do Paço e comunicou: "Ó Maia, aqueles carros já não funcionam".
Também teve papel importante à tarde, no Largo do Carmo, até à rendição de Marcelo Caetano. "Só voltei a Santarém no dia 29, e logo como oficial de dia", diz, para reforçar que não houve descanso. Na capital, não havia parado: "Andámos a prender gajos da PIDE e legionários".
Sobra-lhe, hoje, desalento com "o estado a que chegámos" (frase usada por Salgueiro Maia na madrugada histórica). "O 25 de Abril não tem nada a ver com isto. Somos governados por pessoas que não têm competência nem experiência nenhuma".