Médicos dizem que atestado para amamentar é "retrocesso" e pedem que não se regrida na lei
A Ordem dos Médicos (OM) considerou, nesta terça-feira, que exigir um atestado médico às trabalhadoras que queiram usufruir da dispensa de amamentação é um "retrocesso", defendendo que o aleitamento materno "não é um ato burocrático". Carlos Cortes afirma que a proposta do Governo põe em causa "um direito de qualquer mãe que não pode regredir".
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Em comunicado, o bastonário da Ordem dos Médicos indicou que o direito das lactantes à amamentação deve abranger todas as trabalhadoras, "independentemente da situação laboral de cada mãe", e não pode "estar sujeito a uma qualquer verificação burocrática, retirando humanismo, bem-estar e equilíbrio num período bastante importante para um recém-nascido". A reação surge após o "Jornal de Notícias" ter avançado, nesta terça-feira, que o Governo pretende tornar o atestado médico obrigatório logo no início da dispensa e renovado a cada seis meses. A legislação atual prevê a entrega do documento apenas depois do primeiro ano de vida do bebé.
"A amamentação é um processo de importância vital para a saúde e bem-estar da criança, pelo que a promoção do aleitamento materno deve ser encorajada de forma abrangente, independentemente da situação laboral de cada mãe", pode ler-se na nota enviada às redações. A OM sublinha que o Colégio de Medicina Geral e Familiar emitiu, em março do ano passado, um parecer onde sugere que a verificação do compromisso de amamentação até aos dois anos de vida da criança "não seja feita através de atestado médico, mas antes por meio de uma declaração de compromisso de honra por parte da mãe".
No entender dos médicos especialistas, esta seria uma alternativa "mais equitativa e ética" que não excluiria as mães que "porventura não possam ou não desejam apresentar um atestado médico comprovativo", promovendo assim uma "abordagem mais inclusiva e igualitária". Para Carlos Cortes, o direito à amamentação e a conciliação entre a vida profissional e familiar "constituem aspetos fundamentais para a promoção da saúde materno-infantil", pelo que não há necessidade de "alterar quando está bem".
"Os atuais desafios da vida em sociedade não são compatíveis com retrocessos que podem satisfazer tendências momentâneas. São decisões estruturais com implicações no futuro que valorizam o papel da mulher na nossa sociedade", concluiu o bastonário.
Dispensa só até aos dois anos do bebé
As alterações à dispensa de amamentação que o Governo pretende implementar constam no anteprojeto de reforma "profunda" da legislação laboral, aprovado em Conselho de Ministros e apresentado aos parceiros sociais, na semana passada. O documento prevê que o atestado médico, que na lei atual só é pedido no caso de "a dispensa se prolongar para além do primeiro ano de vida do filho", passe a ser necessário no início. Assim, para usufruir da dispensa diária de duas horas, as lactantes terão não só de comunicar ao empregador, com antecedência de dez dias ao início da dispensa, que amamentam, como deverão comprová-lo de imediato.
As mudanças na legislação laboral definem também que o direito a faltar ao trabalho para as mães que amamentam só é válido "até a criança perfazer dois anos", uma limitação que não existe na lei atual. Segundo a Organização Mundial da Saúde, o leite materno é recomendado de forma exclusiva até aos seis meses de idade, devendo manter-se, após iniciar a introdução de outros alimentos, "até aos dois anos ou mais".