Os 700 milhões para metro e autocarro "não vão ficar concentrados em Lisboa ou Porto"
Dias depois de o Governo ter aprovado o diploma que altera o regime do setor do táxi, o ministro do Ambiente explica que a proposta não só permitirá a criação de tarifas intermunicipais, como será possível fixar contingentes e tarifários sazonais, permitindo ter mais veículos disponíveis e preços distintos em territórios que se enchem de gente em determinadas alturas do ano.
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O investimento na construção de linhas de metro e de BRT (autocarro em via dedicada) é para continuar e Duarte Cordeiro frisa que os 700 milhões, disponíveis no Portugal 2030, não serão apenas para repartir entre Porto e Lisboa. Segue-se a conversa com os autarcas.
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As câmaras podem fixar tarifas ao abrigo da nova lei do táxi?
Quisemos responder aos novos desafios e dar capacidade ao setor de se associar a plataformas, permitindo a contratualização digital do serviço de táxi através de plataformas. Também quisemos conferir, às comunidades intermunicipais e às áreas metropolitanas, a responsabilidade de verificação sobre se faz sentido ter territórios supramunicipais de prestação de serviço de táxi, com tarifas supramunicipais e até, eventualmente, contingentes intermunicipais. Não faz sentido apanhar um táxi no Porto para o Aeroporto Francisco Sá Carneiro e, na volta, o taxista não poder prestar o serviço e o veículo vir vazio. Também não faz sentido ter municípios com excesso de contingente e outros com falta de contingente. O diploma [aprovado em Conselho de Ministros] prevê, também, a possibilidade de prestar outros serviços.
Por exemplo, o serviço de levar doentes aos hospitais públicos?
Sim, alguns doentes. Faz todo o sentido que esta lei permita essa resposta. Está prevista, também, a possibilidade de haver serviços de táxi prestados por taxímetro, por quilómetro e por contrato. O diploma determina, ainda, a possibilidade de estabelecer metas ambientais para o setor, no futuro.
Carros amigos do ambiente?
Sim, foi remetido para portaria a designação de metas ambientais para o futuro. O próprio setor tem que, progressivamente, se ir descarbonizando, correspondendo às expectativas dos passageiros.
O diploma prevê a criação de tarifas sazonais em zonas turísticas, por exemplo?
Está estabelecida a possibilidade de fixação de tarifas e de contingentes sazonais.
Sobre a "lei Uber", a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes já pediu multas mais elevadas e há quem defenda contingentes. Qual é a sua perspetiva?
Temos que ter algum princípio de prudência para não estar a alterar hoje uma lei que, depois, a Europa nos obrigará a mudar, quando tivermos que fazer a transposição de diretivas. Ainda não temos ideias fechadas. Interessa-nos perceber a adaptação do setor às regras que, agora, foram introduzidas no Código de Trabalho pela Assembleia da República e que vão entrar em vigor.
O Governo já decidiu como vai pagar o aumento de custo das obras em curso do metro?
Em primeiro lugar, gostaria de dar nota da mobilização de recursos públicos que o país tem feito nos transportes. De 2015 até ao final desta década, estamos a falar de quase 4,8 mil milhões de euros, mais de 2% do PIB. Estes números dividem-se em 3,3 mil milhões para investimento em infraestrutura e 1,5 mil milhões para aumentar a acessibilidade aos transportes públicos. No distrito de Porto, temos 950 milhões de investimento no alargamento da Linha Amarela, na construção da Linha Rosa e na aquisição de material circulante. E já inclui a revisão dos preços. Respondendo concretamente à sua questão, no caso de Lisboa, o aumento no valor do investimento é de 32% a 33%, o que é normal face às circunstâncias que estamos a viver. Nas alterações aos orçamentos dos metros de Lisboa e do Porto, nada há que nos pareça anormal ou injustificado. Temos procurado dar garantias de que vamos ter verba para completar essas obras, sem nenhum tipo de paragem ou disrupção.
A verba adicional de 1,6 mil milhões do PRR é uma delas?
Temos várias possibilidades. A verba adicional do PRR, os empréstimos, a mobilização do Fundo Ambiental, portanto verbas do Orçamento do Estado. Esse trabalho está a ser feito. É um puzzle complexo, porque não diz respeito apenas à área da mobilidade. Diz respeito a todas as intervenções que estamos a fazer. É importante dizer às pessoas que não queremos recuar em nenhum destes investimentos nem queremos que parem pela circunstância de termos identificado necessidades adicionais.
Mantém-se o valor de 700 milhões de euros para metros e para BRT [autocarro em via dedicada] no Portugal 2030?
Mantém-se esse valor. Estamos na fase em que vamos conversar com o território para perceber a estimativa concreta das prioridades. Por exemplo, no distrito do Porto, havia um conjunto de projetos em carteira que, até agora não tinham tido financiamento. Nós queremos avançar com projetos, mesmo que, num determinado momento, só tenhamos capacidade de avançar com a obra de parte desses projetos. Aqui temos vários projetos importantes: a extensão do metro para a Trofa, Gondomar, Matosinhos e Maia. Vamos avançar com a execução dos projetos. Depois, é provável que alguns deles tenham de ser enquadrados em financiamentos futuros. Temos a expectativa de que este quadro comunitário possa resolver já alguns projetos que vinham do passado, por exemplo, os de Gondomar e da Trofa. Vamos conversar, agora, com as áreas metropolitanas para confirmar estas perspetivas.
Há cidades médias a reivindicar investimentos nos transportes, como Braga e Guimarães.
Quanto ao BRT de Braga, claramente é prioridade deste ciclo.
Do Portugal 2030?
Sim. Nesta lógica de saber aproveitar o desenho de projetos, independentemente de já termos hoje a salvaguarda de todas as condições financeiras para fazer os investimentos. Nós também queremos fazer o projeto da extensão do BRT a Guimarães, eventualmente ligando-o à alta velocidade. Temos de gerar consensos e ter projetos em carteira. À medida que vamos tendo financiamento, vamos executando esses projetos, sem perdermos tanto tempo na concretização destas obras. Vamos aproveitar para desenvolver projetos, sabendo de antemão que os recursos são condicionados. Temos de ficar com projetos em carteira para o futuro, enquanto vamos procurando fontes de financiamento. Repare, o próprio Fundo Ambiental hoje financia obras de expansão de linhas de metro.
Mas 700 milhões de euros não é muito para metros. Pode garantir que Lisboa, Porto e Braga terão dinheiro do PT2030?Posso garantir que vamos dividir o montante que está definido, que está pré-estabelecido, para não ficar concentrado em Lisboa ou no Porto. Que pode ir, nesse caso, para os distritos de Setúbal ou de Braga, por exemplo. É uma prioridade nossa corresponder às regiões. Mas lá está, temos de falar de projetos, de expectativas legítimas que existem no território e de compromissos que vêm do passado. Nós queremos corresponder. E vamos gerir isto da forma possível para alargar a oferta.
Até 2029, pois o financiamento é Portugal 2030?
É isso.
Então, na Área Metropolitana de Lisboa, ainda não há uma definição de qual será a prioridade para o Portugal 2030?
Não, o que estava definido e os projetos que tinham sido identificados, era o LIOS ocidental, que inclui Oeiras, era o Metro Sul do Tejo e a possibilidade de fazer o projeto do LIOS oriental, que cobria a zona de Sacavém. Volto a referir: isto era o que estava identificado. Agora, também há outros investimentos que não são exclusivamente da área da mobilidade urbana, são investimentos da ferrovia. Aliás, os primeiros avisos do Portugal 2030 serão mesmo dirigidos à ferrovia. É um programa partilhado com as Infraestruturas.
E o território tem muito ou pouco tempo para decidir?
Não temos isso predefinido. Nós estamos numa fase em que o Portugal 2030 está desenhado em função dos projetos que estavam determinados. Agora, é preciso perceber, em concreto, a expectativa que existe, o custo dos projetos, perceber o que é que nós conseguimos fazer com os recursos existentes, na lógica de que teremos de distribuí-los territorialmente. E esses compromissos exigem, naturalmente, uma negociação com o território, que nós vamos fazer agora.
No âmbito dos incentivos à introdução de veículos de emissões nulas, já decidiu se vai reforçar o apoio à aquisição de automóveis elétricos?
Sim, vai haver um incremento do apoio. Ainda não foi feito o despacho do Fundo Ambiental, porque estamos a trabalhar nisso. Verificamos que, em 2022, não conseguimos cobrir a totalidade das candidaturas aos apoios. Estamos a tentar perceber como é que reforçamos a verba e se ainda conseguimos recuperar as candidaturas do ano passado ou se vai destinar-se só a novas candidaturas. Estamos a trabalhar e muito em breve vamos ter resposta.
E ficamos por aí?
Vamos manter o apoio à instalação de carregadores em condomínios, para que possa, por essa via, ter algum efeito de partilha dos incentivos. Também tem sido feito um investimento muito grande na rede pública de carregadores elétricos. Tínhamos um ponto de carregamento para cada 18 carros e, neste momento, estamos com um posto para cada 22 automóveis. No entanto, há outra dimensão importante, além do apoio à aquisição de carregadores e de carros elétricos, que é a tarifa. Temos mantido a tarifa com os mesmos valores há dois anos. Isso é, também, um elemento central, para que as pessoas sintam que quem investe em carros elétricos tem, realmente, vantagem económica face a outros combustíveis.
A tarifa de carregamento vai manter-se?
Não estão previstos aumentos.
Então, o valor do incentivo à introdução de veículos de emissões nulas será maior este ano?
Sim, provavelmente, sim. Vamos tentar reforçar o montante do incentivo aos veículos elétricos.
E apoiará a mobilidade suave?
Sim, vamos continuar a apoiar. Essa componente tem tido muito sucesso, como o financiamento de bicicletas elétricas. Tem funcionado bem e vamos manter.
Quando sairá um novo aviso para o programa Edifícios Mais Sustentáveis, que também tem tido muito procura?
Dentro do universo do PRR, há linhas de financiamento que estão a correr muito bem. Esta é uma delas. Em 135 milhões de euros que tínhamos para o programa, vamos pagar 122 milhões de euros de apoios. São cerca de 70 mil intervenções financiadas, que correspondem a mais de 100 mil candidaturas. Demorou mais tempo do que esperávamos. Há custos de aprendizagem quando se está a lidar com este volume de candidaturas. Com o dinheiro que sobra, estamos a pensar fazer um novo aviso, com algumas dimensões mais experimentais. Estamos a perceber se conseguimos ter um reforço da verba para lançar esse novo aviso, recorrendo, ainda, a montantes adicionais ao PRR.
O mesmo não está a suceder com os vales eficiência?
Não estão a ter o nível de execução que gostaríamos. Tínhamos 100 mil vales para atribuir e 130 milhões de euros para gastar e ainda só atribuímos cerca de 12 mil vales, dos quais só foram descontados cerca de quatro mil. É um contrassenso, porque sabemos que temos muitas pessoas que vivem em habitações sem conforto térmico. Estamos a tentar identificar formas de corrigir este problema, pensando, desde logo, que se justificará alargar o número de vales que atribuímos. Temos de repensar as parcerias, olhar para o perfil dos beneficiários e perceber como é que alargamos o programa.
Pode ser por via do aumento do valor de cada vale?
Penso que é difícil. O que, eventualmente, pode ser possível é dar mais do que um vale para determinadas tipologias de intervenção. Até ao final do mês de março, conseguiremos reformular o programa, dando-lhe uma nova vida. Será necessária uma atitude muito mais proativa na identificação dos beneficiários.
Poderão envolver-se as juntas de freguesia no processo de identificação de beneficiários, como sucede com o programa Bilha Solidária?
Nós estamos disponíveis para isso. Penso que, do lado da Associação Nacional de Freguesias [Anafre], estão a estudar essa possibilidade também. A Anafre, num mês e meio do programa Bilha Solidária, conseguiu identificar quase tantos apoios como tínhamos dado em todo o programa anterior. Aliás, já dissemos à Anafre que estávamos disponíveis para esgotar os três milhões de euros durante este ano. As juntas de freguesia têm sido extraordinárias e eu espero que continue a alargar a adesão das freguesias ao programa Bilha Solidária para garantirmos uma cobertura nacional. Estamos a falar de um desconto de quase 33% sobre o valor da garrafa de gás, que responde a pessoas muito necessitadas.
No programa Edifícios Mais Sustentáveis, falou em testar dimensões experimentais. Pode adiantar pormenores?
Nós temos linhas de apoio para três dimensões: as famílias, os serviços e o Estado. Nos serviços, abrimos um aviso de 40 milhões de euros e a procura foi brutal. Candidataram-se 1500 empresas. Portanto, ou reforçamos a verba ou não vamos conseguir responder a todos. A verba disponível responderá a cerca de 400 candidaturas. Estamos a tentar perceber se temos condições ou não de reforçar a verba. Também temos as comunidades de energia. Gostaríamos de ter apoios que se dirijam mais a uma lógica de comunidades, porque a partilha de recursos acaba por ser mais eficaz.