Há vários casos bem-sucedidos de vilas e cidades portuguesas onde os residentes abraçaram as comunidades estrangeiras. Estes vêm para trabalhar, mas acabam por querer ficar e trazer a família. Sem racismo, com casas dignas e cidadania plena, aprendem português, estão inscritos na Segurança Social e alguns têm filhos a estudar na universidade.
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Há dois meses, os exemplos da má integração de migrantes no concelho de Odemira chocaram o país, mas Portugal é um território onde proliferam comunidades de imigrantes felizes e socialmente integradas, de norte a sul, muitos também em Odemira, com particular destaque para Moreira de Cónegos e Vila do Conde, onde os trabalhadores abraçaram as comunidades e querem continuar por cá.
Uma grande parte dos migrantes de Moreira de Cónegos são do Nepal e do Bangladesh. Muitos já trouxeram a família, têm os filhos a estudar na escola, outros andam na universidade, todos estão a aprender português, têm Segurança Social, médico de família e alguns até já com nacionalidade portuguesa vão votar nas eleições autárquicas.
"Aqui as pessoas são incríveis, deram-nos tudo. Se precisas de eletrodomésticos ou roupa, eles angariam e dão-te. Nunca tive um caso de racismo aqui
Niranjan Sapkota e Sima Bhurtel, nepaleses, estão em Moreira de Cónegos há quatro anos e já arrendaram uma casa na zona baixa da vila. Ele trabalha para a empresa Landman, na agricultura, e está a tirar o doutoramento em Jornalismo na Universidade do Minho. Depois de viver em Braga durante um ano, Niranjan encontrou a felicidade em Moreira de Cónegos. "Aqui as pessoas são incríveis, deram-nos tudo. Se precisas de eletrodomésticos ou roupa, eles angariam e dão-te. Se precisas de estudar, a empresa aceita e incentiva-te. Nunca tive um caso de racismo aqui em quatro anos", afirma Niranjan.
A integração dos cerca de 150 migrantes em Moreira de Cónegos deve-se muito à comunidade. A sinalética interna das escolas do Agrupamento Virgínia Moura está em português e inglês, e as aulas também são lecionadas em duas línguas para que os filhos dos imigrantes as percebam.
Nos Supermercados Alô, o stock foi adaptado às necessidades alimentares da nova comunidade. "Pedem muitas especiarias, gengibre, piripíri moído ou arroz Basmati", explica Cláudia Soares, funcionária do supermercado, que antes não tinha estes alimentos e agora são obrigatórios. Os migrantes adaptaram-se à realidade de Moreira de Cónegos, mas a vila também se adaptou a eles, num caminho que fez daquele local um dos maiores exemplos de integração a nível nacional.
Na base deste sucesso também está a política de recursos humanos da BFruit, uma organização de produtores de pequenos frutos, como mirtilos ou framboesas. Os maiores sócios da BFruit criaram a Landman, uma empresa que se dedica a contratar e a integrar os trabalhadores, a nível escolar, social e profissional. "Temos uma equipa que lhes traz a mulher e os filhos, que os põe na escola, que resolve as questões de saúde, de Segurança Social, integra-os em toda a extensão da sociedade, mas fizemos o mesmo no Sul, em Odemira", assegura Fernanda Machado, presidente da BFruit.
Há uma tradição de receber bem
Este trabalho foi feito em parceria com as entidades locais, como a Câmara e a Junta de Freguesia. Na sede da Junta, o projeto Raízes, coordenado por Rita Gonçalves, tem como missão a integração social, psicológica e comunitária dos cidadãos da região, incluindo os imigrantes. "O fenómeno inicial era de trabalhadores que vinham sozinhos e depois começamo-nos a aperceber que também vinham as famílias, o que nos obrigou a um trabalho integrado com a escola e centro de saúde, por exemplo", observa.
António Brás, presidente da Junta, um contador de histórias que conhece a vila como poucos, explica que "há uma tradição de receber bem" em Moreira de Cónegos, que já vem do tempo em que ali se recebiam trabalhadores de outras regiões do país para trabalhar na indústria.
Indonésios felizes nas caxinas
"Se não fossem eles, já tinha parado. Não sei onde ia buscar pessoal. Salvaram 95% dos barcos da pesca artesanal portuguesa", diz, sem hesitar, Luís Cruz. O armador do "Fugitivo" e do "Candeias" tem 16 homens no mar, dez são indonésios. Nas Caxinas (Vila do Conde), entre a maior comunidade piscatória do país, são já 300 e "sempre a chegar mais". São quase todos "rapazitos novos", entre os 20 e os 30 anos. Quem os contrata diz que são "esforçados", "trabalhadores" e "não bebem".
A parceria começou, em 2018, pela mão da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar (APMSHM). Na altura, a falta de pescadores obrigou muitos barcos a parar. "Muitos reformaram-se e os filhos já nem querem seguir a arte dos pais. Outros emigram ou vão trabalhar para os camiões [de longo curso]", conta Luís Cruz. A crise na pesca, as quotas esmifradas, o salário incerto e a vida dura do mar já não atraem os mais jovens.
Os primeiros 200 indonésios chegaram no verão de 2018. Hoje, quase não há barco na Póvoa de Varzim e em Vila do Conde que não os tenha e, todos os dias, chegam à "Pró-Maior" novos pedidos. Ganham 713 euros, fazem descontos, têm direito a férias e baixa. Têm casa, comida e viagens pagas.
A maioria, quando chega, praticamente não fala português, mas são "desenrascados" e, por gestos, com a ajuda do tradutor online ou dos que estão cá há mais tempo, tudo se resolve. Alguns eram pescadores na Indonésia, mas também há trolhas e até estudantes. "Aprendem depressa e, a grande maioria, adapta-se", diz Cruz.
"Tenho um que está comigo vai para três anos. Já foi à Indonésia duas vezes de férias. Desta vez, aproveitou para passar lá o Ramadão e, com o dinheiro que juntou cá, já está a construir uma casinha lá. Agora, já me pediu emprego para um primo", continua.
Sempre prontos a ajudar e não bebem
Luís Cruz garante que são "muito trabalhadores", "sempre prontos a ajudar" e "não bebem álcool". "Só não comem carne de porco", afirma. As "restrições", próprias dos muçulmanos, explica, obrigaram a algumas adaptações na ementa dos barcos, mas tudo se resolveu e, no "Fugitivo", até é um indonésio o cozinheiro - "e dos bons".
Nas Caxinas, onde vivem, estão já "completamente integrados". Nas folgas, passeiam, vão às compras, fazem praia, juntam-se com amigos, empregados noutros barcos.
Na Indonésia, explicam, ganhavam 100 ou 150 euros, a trabalhar sem condições. Cá, têm casa, comida e transportes pagos pelo armador e 713 euros por mês. Estão gratos e quase todos querem continuar em Portugal.