Quadros brancos rabiscados com nomes, números, ligações a locais de risco. Foi ali que tudo começou. O médico que veio de Bérgamo, o DJ que atuou no Hard Club, os trabalhadores de uma fábrica em Lousada, regressados de Milão.
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São dezenas de linhas preenchidas a azul, com informação que retrata os primeiros passos do novo coronavírus no país. A sala não é grande, mas suficiente para a equipa de "detetives" a quem foi confiada a missão de gerir a pandemia covid-19 na região mais afetada de Portugal. Dois meses e muitas horas de trabalho depois, agora há tempo para respirar. Na sala de gestão de crise do Departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN), no coração do Porto, controla-se o presente e prepara-se o futuro.
Os quadros e papéis pendurados na parede são apenas a memória de um passado recente que não será esquecido tão cedo. E é bom que não seja, porque a experiência e o conhecimento adquiridos serão fundamentais para enfrentar a próxima onda.
Venha ela quando vier, Maria Neto, diretora do departamento, sabe que a região está melhor preparada para a próxima investida do SARS-COV-2. A equipa que lidera já teve em mãos mais de 80 mil notificações de casos suspeitos. "Cada uma implica uma investigação", explica. E a partir do momento em que o caso se confirma "é preciso agir rápido". Identificar os contactos recentes do doente, avaliar o risco de contágio e definir medidas, que podem ir da autovigilância até ao isolamento profilático durante 14 dias.
A partir do momento em que deixou de ser possível seguir as cadeias de transmissão e o país passou à fase de contágio na comunidade, grande parte do trabalho passou a ser feito pelas unidades de saúde públicas locais. Sempre em articulação com o nível regional - onde a visão mais alargada permite detetar ligações entre concelhos - e o nível nacional, que cria os "links" entre regiões.
"Fechar" região foi crítico
Local, regional, nacional. A hierarquia da autoridade de saúde, cujo topo é liderado pela diretora-geral da Saúde, permite olhares diferentes sobre a evolução da pandemia e decisões distintas, se necessário. Foi o que aconteceu a 20 de março. Graça Cruz Alves, subdiretora regional de Saúde, recorda como um dos dias mais críticos aquele em que a ARS determinou quarentena para todos os que viajassem do estrangeiro para a região Norte. "Tínhamos uma situação epidemiológica diferente do resto do país. Foi uma decisão muito bem ponderada, mas foi um momento de muita pressão", reconhece.
O seguimento dos casos de Felgueiras e Lousada, a necessidade de substituir a equipa de uma Unidade Local de Saúde que adoeceu, a decisão de montar o primeiro covid drive no queimódromo, com uma metodologia muito diferente do que estava nas orientações, foram outros momentos marcantes, recorda Ana Mendes.
Trocaram famílias pela luta
O pré-fabricado situado nas traseiras do edifício da ARSN, no Porto, é a "casa" daqueles profissionais há dois meses. "Só falta dormirem cá, não há fins de semana, não há feriados, deixaram as famílias para fazerem este trabalho", reconhece Maria Neto. Mudaram-se da Rua Braamcamp para a de Santa Catarina, assim que a crise se instalou. Cresceram um pouco, chegaram a ser mais de 20, e voltaram a encolher, quando a covid-19 começou a dar tréguas na região.
Depois do enorme esforço para achatar a curva, é tempo de monitorizar a evolução epidemiológica, dar apoio técnico ao nível local e otimizar a recolha de informação. Nos écrãs dos computadores sobressaem as bases de dados com informação de várias fontes. É preciso cruzá-la, eliminar duplicações, acrescentar o que falta, "apertar a malha para que nada escape" e depois enviar para a cúpula, a DGS, que agrega os dados todos para emitir os boletins apresentados diariamente.
Carlos Carvalho acredita que "a segunda onda não terá nada a ver com a primeira". A "experiência, a melhor articulação entre serviços, os sistemas de informação mais lubrificados e as alterações no comportamento da população" deverão travar a velocidade com que a doença se propaga. O único "mas", remata Graça Alves, chama-se "cansaço".
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