O verniz voltou a estalar nas relações entre Pedro Nuno Santos, o 'ministro da TAP', e António Costa. A desautorização do ministro das Infraestruturas no anúncio do novo aeroporto foi o episódio mais recente, mas o caminho de desgaste entre os dois socialistas é longo e tem obrigado o primeiro-ministro a marcar posição várias vezes dentro do Governo e no próprio Partido Socialista (PS). O JN recorda outros "cartões amarelos" e "puxões de orelhas" entre ambos.
Corpo do artigo
Pedro Nuno Santos chegou pela primeira vez ao Governo em novembro de 2015 para assumir a pasta de secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. Mas já antes desse momento tinha trilhando percurso dentro do PS e colheu bastante protagonismo ao assumir um importante papel de mediação com o PCP e BE para forjar a solução de governo à Esquerda. Ficou conhecido como o "pivô da geringonça", modelo que defende de forma veemente e que já esta quinta-feira voltou a elogiar, após ter dito que não se demite.
"Não meti papéis para a reforma"
Um dos primeiros episódios de uma relação que se tem revelado tensa ao longo dos anos remonta a maio de 2018, no Congresso da Batalha do PS. O então secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares levantou o congresso com um discurso em que recordou as origens do PS e falou para os que trabalham muito e ganham pouco, no que foi entendido como uma rampa de lançamento para uma sua eventual candidatura futura ao cargo de secretário-geral do PS.
Os congressistas levantaram-se em aplausos e saudaram-no de punhos erguidos, mas os ânimos não tardaram a amenizar quando António Costa chegou ao palco para discursar no encerramento do congresso. "Aviso já que não meti os papéis para a reforma", atirou o líder socialista, no que foi interpretado como um recado para as ambições políticas de Pedro Nuno.
O PS tem o futuro bem assegurado, transmitiu Costa, mas cada coisa a seu tempo, avisou: "é muito gratificante ver que podemos olhar para o nosso futuro com enorme tranquilidade e satisfação, porque vemos lá, no futuro, a aproximar-se uma nova geração com um enorme potencial", disse.
Vencido na votação do plano TAP
Depois de em 2019 ter sido promovido a ministro das Infraestruturas - ministério que tem a dura pasta da TAP e que, dada a complexidade do dossiê, foi visto por alguns como um presente envenenado -, os atritos não tardaram em saltar para o plano executivo.
Em dezembro de 2020, cerca de um ano e meio depois da sua estreia como ministro, o plano de reestruturação da TAP acabou por gerar uma situação de conflito entre os dois socialistas. Pedro Nuno Santos queria que o plano fosse votado na Assembleia da República, em prol de um maior consenso, mas António Costa entendia que essa era uma competência do Governo e que não podia ser delegada no Parlamento.
A vontade do ministro da TAP tinha sido anunciada por Luís Marques Mendes, no seu comentário semanal, levando o primeiro-ministro a dizer que "quem anunciou ou teve uma má fonte ou se precipitou". O caso terminou com Pedro Nuno Santos a assumir a derrota, em declarações feitas ao Expresso, quando disse que "queria que [o plano] fosse votado no Parlamento. Mas não consegui. É pena".
Calado no último congresso
É nos congressos e comícios do PS que Pedro Nuno Santos causa mais alarido. Mesmo quando entra mudo e sai calado consegue ser foco de atenção.
No 23º Congresso do PS em agosto de 2021, em Portimão, Pedro Nuno Santos escolheu ficar em silêncio mas nem assim passou despercebido. Chegou tarde à mesa do congresso, onde se sentavam os putativos candidatos à liderança do PS, e conseguiu (também por isso) ser notícia. Nesse congresso, aos já apontados como possíveis futuros candidatos a secretário-geral - Mariana Vieira da Silva, Ana Catarina Mendes, Fernando Medina. , António Costa juntou mais um nome ao leque, lançando Marta Temido como um trunfo para o futuro. "Sim, Marta Temido pode ser sucessora, daqui a dois anos, já tem tempo de militância suficiente para se candidatar", disse em entrevista ao Observador. E a ministra deixou a porta entreaberta. "Nunca se sabe", disse.
António Costa garantia à SIC que a sua saída ainda "não está na ordem do dia. Acabei de ser reeleito", disse. Questionado sobre o atraso e o silêncio de Pedro Nuno Santos na chegada a Portimão, Costa desvalorizou e disse que "o PS é um partido livre onde todos podem falar mas onde todos também têm direito ao silêncio, se assim o entenderem. Essa não é a questão do Congresso", rematou.
Uns meses mais tarde, em dezembro, em entrevista à CNN Portugal, questionado sobre a possibilidade de ser o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, a liderar o PS no futuro, António Costa admitiu essa possibilidade: "sim, é provável, tem boa idade para no futuro, se for essa a vontade da generalidade dos socialistas, que seja ele".
A sombra de Pedro Nuno nas legislativas
Durante a campanha para as eleições legislativas de 30 de janeiro, Pedro Nuno Santos foi uma sombra constante no bate-boca entre PS e PSD. Sabendo que o ministro da TAP é um acérrimo defensor da geringonça, Rui Rio, focado na vitória que dava como provável, agitava a bandeira da radicalização da esquerda - com um regresso da geringonça -, se Costa perdesse as eleições e Pedro Nuno subisse à liderança dos socialistas.
Perto do fim da campanha, o ambiente da comitiva socialista seguia animado, em Espinho. Num momento em que o secretário-geral do PS e Pedro Nuno Santos trocavam gargalhadas, num momento de boa disposição, o ministro e então cabeça de lista por Aveiro lançou o repto ao líder do PSD. "Se Rui Rio acha que eu sou um papão, então só tem uma solução: votar em António Costa".
Ganhas as eleições com uma maioria absoluta que ao até o PS surpreendeu, e quando muitos já vaticinavam a morte da solução governativa à esquerda, Pedro Nuno insistiu em deixar a porta aberta a uma futura reedição da geringonça. "Não foi um parêntesis na história da democracia portuguesa", disse.
No dia da tomada de posse do XXIII Governo, já com Costa empossado primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos voltou a chegar atrasado e não marcou presença na "foto de família".