A situação é transversal, do Norte ao Sul, garante o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira: há pais que estão a recusar levantar os computadores atribuídos aos alunos da Ação Social Escolar, no âmbito do programa Escola Digital "por não se quererem responsabilizar por um equipamento que não é deles".
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Há escolas com vários casos, outras apenas com um. Há encarregados de educação que não assinam os autos de entrega por os filhos já terem computador ou porque preferem comprar o seu material. Há ainda quem nem sequer apareça nas escolas.
Na Secundária de Canelas (Gaia), "há uma sala cheia de computadores ainda dentro das caixas. Já sugeri aos pais que fizessem um seguro contra danos por 20 ou 30 euros, mesmo assim há quem não os venha levantar", conta o diretor. Artur Vieira explica que reportou as recusas ao Ministério da Educação e aguarda autorização para atribuir os equipamentos a outros alunos.
No Agrupamento António Nobre (Porto), a diretora Cármen Rocha também tem casos de alunos que não foram levantar os computadores. "Os pais nem sequer cá apareceram", lamenta, frisando que, nos últimos dias, um ou outro pediram para voltar atrás na decisão, "com certeza por estarem a antecipar nova fase de ensino à distância".
Há pais que recusam "quando percebem que é um empréstimo com condições exigentes de utilização. Por exemplo, os filhos não podem instalar programas. Eles dizem não ter como garantir esse requisito", relata Pedro Tildes, admitindo que a possibilidade de terem de pagar eventuais danos também contribui para as recusas. O diretor da Secundária de Bocage (Setúbal) tem, "para já", três pais que não levantaram os computadores, mas "há quem demore muito a responder".
Na Secundária de Barcelos, ainda só um pai recusou o computador, mas pelo filho ter equipamento e Internet em casa. O maior problema, explica o diretor, Jorge Saleiro, é que a escola ainda aguarda a entrega de 168 kits, não tendo, para já, nenhuma entrega prevista. As outras três escolas também aguardam novas entregas.
"LIBERDADE DE OPÇÃO"
Interpelado, o Ministério da Educação não se pronunciou sobre as recusas. Em resposta enviada ao JN, o gabinete de Tiago Brandão Rodrigues recordou a garantia de que foram entregues, no 1.º período, 100 mil computadores e que "prevê que comecem a ser distribuídos, no 2.º período", os 335 mil já contratualizados.
O presidente da Confederação de Pais (Confap), Jorge Ascenção, sublinha que as famílias têm "liberdade de opção" para decidir se aceitam os termos do empréstimo. A Confap sempre defendeu que os computadores deviam ser cedidos e não doados. "É similar aos manuais. É para devolver em bom estado, não novo, dentro da caixa", frisa.
Os diretores têm de registar na plataforma online a recusa e pedir autorização para atribuírem os computadores a outro aluno, com Ação Social Escolar. "No limite, se os restantes já tiverem, pode tentar entregar-se aos do escalão C, não abrangidos pelo programa", aponta Manuel Pereira.
Os diretores garantem que as escolas estão melhor preparadas do que em março para o ensino à distância. Apesar da promessa de universalização, feita pelo primeiro-ministro, "estar longe de cumprida", as escolas têm mais computadores e e os professores mais experiência, frisa o presidente da Associação de Diretores, ANDAEP, Filinto Lima.
Escola de Algarve recebeu material para todos os ciclos
O Agrupamento Dr.ª Laura Ayres (Quarteira) já recebeu quase todos os computadores previstos do 1.º Ciclo ao Secundário. "Até dia 8, contamos ter todos distribuídos", garante a diretora Conceição Bernardes. Ainda não teve recusas. Admite que o auto de entrega "é muito minucioso", mas tem de ser. "Emprestámos tablets oferecidos pela Câmara: um pai teve de pagar o arranjo, outro teve de apresentar a declaração da GNR a comprovar a denúncia de roubo. Não há outra maneira".
Pormenores
Empréstimos - A Secretaria Geral da Educação e Ciência é a proprietária de todos os equipamentos, cedidos por "acordo de cooperação" às escolas e, depois, emprestados aos pais mediante assinatura do "auto de entrega".
Prazo de devolução - O material tem de ser devolvido à escola no final do ciclo de ensino em boas condições.
O que está proibido? A instalação ou cópia de programas ou aplicações informáticas (software) "é expressamente proibida". Tal como a instalação ou remoção de componentes (hardware).
Pagar danos - No auto de entrega, o encarregado de educação compromete-se a "suportar todas as despesas devidas pela recuperação dos bens ou equipamentos, sempre que os danos advenham de mau uso ou negligência".
Fora de casa - Os alunos só podem levar o equipamento para fora de casa "para fins do processo de ensino e aprendizagem", previamente autorizados pelo Ministério da Educação ou direção da escola.
Kits entregues - Cada aluno recebe um "kit" com computador, auscultadores com microfone, hotspot de Internet e mochila. Os computadores são diferentes consoante os alunos sejam do 1.º, 2.º ou 3.º ciclos ou do Secundário.