O convívio entre caçadores, uma das principais componentes da atividade cinegética, não vai fazer parte do calendário deste ano. Apesar de não haver normas específicas, as organizações do setor estão a alertar para que a parte social seja descartada, de modo a evitar a propagação do vírus que provoca a doença covid-19.
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Há dois meses, a Confederação Nacional de Caçadores Portugueses (CNCP) pediu audiências ao Governo e ao Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) com o objetivo de debater a criação de procedimentos específicos para caça durante a pandemia. "Infelizmente, não obtivemos resposta às nossas preocupações", criticou ao JN o presidente da Confederação, Fernando Castanheira Pinto. Lamenta que não se tenha feito o mesmo que em Espanha, onde organizações do setor desenvolveram "um plano adequado à situação".
Se até setembro não houver disponibilidade da tutela, a Confederação irá apresentar-lhe um "caderno de procedimentos" que pretende ver implementado. Por agora, resta o apelo ao "bom senso" e, de acordo com Castanheira Pinto, a recomendação é para que as concentrações e os sorteios aconteçam "ao ar livre e com as pessoas afastadas". Quanto aos almoços ou merendas de fim de jornada, aconselha-se "ou que não se realizem ou que se façam em espaços amplos ou esplanadas".
Montarias com 100 a 120 pessoas
As montarias ao javali levantam "mais preocupações" por envolverem entre 100 e 200 pessoas. "Está a ser pedido que não tenham atos sociais e que cada um leve a sua merenda", nota Castanheira Pinto. O presidente da Federação Portuguesa de Caça (Fencaça), Jacinto Pinto, lembra que "basta chegar alguém infetado para o pequeno-almoço e é o suficiente para disseminar a covid-19".
Jacinto Pinto recomenda que se use sempre máscara, menos na parte desportiva, pois "é ao ar livre e muito individual". Acrescenta que "há associações que já cancelaram a parte social da caça", embora admita que "desvirtua um pouco a atividade".
Impacto negativo na economia
O ideal, sublinha, é que "as pessoas tenham cuidado no dia a dia para que quando forem juntar-se aos amigos na caça não haja problemas". Certo é que as restrições vão "afetar o impacto económico que a atividade cinegética tem no interior do país".
Mas não é só a covid-19 que preocupa os caçadores. A doença hemorrágica viral (DHV) do coelho-bravo dizima populações inteiras. Castanheira Pinto continua "à espera de aprovação do Governo para entrar no terceiro ano do +Coelho". Este projeto prevê "uma vacina oral através de uma ração" que é distribuída no monte. "Enquanto estivemos no Ministério da Agricultura o projeto avançou. Agora não temos certeza nenhuma e corremos o risco de poder ficar a meio", critica Jacinto Pinto.
O presidente da Confederação Nacional de Caçadores Portugueses acrescenta que "há zonas onde o coelho tem conseguido aumentar a população", mas, "de um momento para o outro, aparecem focos da doença que dizima tudo".
Um exemplo é a ilha de São Miguel, onde o Governo dos Açores interditou a caça desde 6 de agosto devido a um novo surto da DHV. Em setembro, vai ser feito um novo ponto da situação.
Autorizações
Novas regras nas zonas nacionais
Desde 6 de agosto há novo regulamento para aceder e caçar em zonas de caça nacionais. Um diploma publicado em Diário da República estabelece que "é permitido o exercício da caça aos caçadores que, para além dos documentos legalmente exigidos [para a atividade], sejam também titulares de autorização especial de caça para a zona em causa". As autorizações especiais são intransmissíveis e atribuídas mediante inscrição prévia, que é seguida de um sorteio público ou, para a caça maior, de licitação.
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Problemas antigos
A época de caça é nova, mas os problemas são velhos. Os caçadores consideram que os custos da atividade estão sempre a subir e não são compensados devido ao menor número de animais para abater. Há cada vez mais abandono da atividade e o Governo é criticado por, alegadamente, investir pouco no setor.
Exigido mais diálogo
O setor da caça não reúne com a tutela desde a tomada de posse deste Governo. "Estamos muito preocupados por nos terem colocado sob a alçada do Ministério do Ambiente e também com o desmantelamento da Direção-Geral da Alimentação e Veterinária", critica Jacinto Pinto, presidente da Fencaça.