Quem está na linha da frente do combate à pandemia mostra sinais elevados de burnout, stress e ansiedade.
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Mais de metade dos profissionais de saúde (52%) apresentam sinais de exaustão física ou psicológica e burnout associado ao exercício da sua atividade durante a pandemia. Os sintomas são ainda mais significativos para quem está na linha da frente, ou seja, em contacto direto com os doentes.
São os resultados preliminares do estudo "Impacto da covid-19: o papel da resiliência na depressão, na ansiedade e no burnout em profissionais de saúde", realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), Cintesis e Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto (ESE.P. Porto).
Em reação, Miguel Xavier, diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental, salienta que os números não estão longe dos apurados num estudo de 2016 e aponta diferenças entre exaustão e burnout.
O questionário ainda está em curso, mas os primeiros resultados baseiam-se numa amostra de 1500 profissionais de saúde (inquiridos entre 9 e 18 de maio), entre os quais médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos e técnicos de diagnóstico e terapêutica.
Impacto no doente
A escala utilizada avaliou três dimensões de burnout: pessoal, profissional e associado ao cliente/doente. Os resultados indicam que 51% dos participantes estão em exaustão física e emocional (burnout pessoal), 52% estão em burnout associado ao trabalho (provocado por pressão, conflitos, responsabilidades várias, entre outros) e 35% apresentam um burnout que resulta da relação com o doente.
Este último é o indicador que põe em causa a prestação direta de cuidados, uma vez que pode traduzir-se "em desinteresse, cinismo, e numa relação despersonalizada" do profissional de saúde com o doente, explica Carla Serrão, investigadora da ESE.P.Porto e do centro de investigação InED.
"Os resultados parecem indicar que a covid-19 levou a uma exacerbação de problemas ao nível da saúde mental, com particular impacto emocional e físico nos profissionais de saúde que se encontram na linha da frente", referem as coordenadoras do estudo, Carla Serrão e Ivone Duarte, da FMUP e Cintesis. Carla Serrão salienta que estes profissionais representam 28,4% da amostra (425) e, embora ainda não haja resultados definitivos, "apresentam níveis mais elevados de ansiedade, stress e burnout".
Resiliência elevada
A exposição dos profissionais a exigências sem precedentes, a mortalidade elevada, o medo do contágio, as questões relacionadas com a falta de equipamentos de proteção individual, a pressão associada ao sentido profissional de dever para com os doentes, para além da necessidade de conciliação entre vida familiar e profissional, são algumas das razões apontadas para o agravamento dos problemas de saúde mental.
As investigadoras defende a necessidade de estratégias de reabilitação para estes grupos profissionais, até para evitar eventuais situações de stress pós-traumático, e uma aposta na prevenção, que pode passar por treino em resiliência e formação em técnicas de relaxamento e outras.
O estudo avaliou também a resiliência e a satisfação com a vida destes trabalhadores e a conclusão é que estes indicadores estarão a "amortecer o impacto da covid-19". Apesar da exaustão física e psicológica, "cerca de 80% dos profissionais de saúde sentem-se capazes de enfrentar situações difíceis e stressantes", sintetiza Ivone Duarte.
Outros estudos
Burnout alto: 48%
A exaustão e o burnout dos profissionais de saúde têm sido alvo de estudos ao longo dos anos. Em 2016, a investigação "Burnout nos profissionais de saúde em Portugal", publicada na Ata Médica Portuguesa, revelava que, a nível nacional, entre 2011 e 2013, 21,6% dos 1728 médicos e enfermeiros inquiridos apresentavam burnout moderado e 47,8% evidenciavam sinais de burnout elevado.
Stress ocupacional
A investigação "Stress ocupacional em profissionais de saúde", realizada pela Universidade do Minho, com a colaboração da Ordem dos Enfermeiros, em 2016, revelou que 17,8% dos 2302 enfermeiros inquiridos sofriam de sintomas de exaustão.