Dispensa por insuficiência económica tem por base rendimentos de 2019 e estará a prejudicar milhares de pessoas. Dificuldades no acesso aos serviços públicos explicam quebra, diz ACSS.
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Há cada vez menos utentes a beneficiar de isenção de taxa moderadora. Em outubro, eram menos 211 mil face a dezembro de 2019. Destes, quase 175 mil deixaram de beneficiar da isenção por insuficiência económica, num ano marcado pela crise socioeconómica e pelo aumento do desemprego provocados pela pandemia covid-19. As dificuldades de acesso aos serviços públicos e centros de saúde, o cálculo dos rendimentos com base em informação do ano anterior e o menor interesse dos utentes numa altura em que há cada vez mais prestações isentas de taxa explicam a diminuição.
Segundo dados enviados ao JN pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), em dezembro do ano passado, havia 4 468 075 utentes com inscrição ativa nos Cuidados de Saúde Primários e com pelo menos um benefício compatível com isenção de taxas moderadoras. Em outubro de 2020, esse número baixou para os 4 257 053.
E, estranhamente, é na categoria da insuficiência económica que se verifica a maior redução dos isentos. Neste ponto havia 2,57 milhões de isentos em dezembro 2019, mas em outubro último eram 2,40 milhões. A explicação estará na forma como são calculados os rendimentos das famílias. De acordo com a ACSS, o apuramento da insuficiência económica é feito de forma automática a 30 de setembro com base em rendimentos do ano civil anterior. A Autoridade Tributária apura o rendimento médio mensal do utente e comunica ao Ministério da Saúde se o mesmo ultrapassa ou não o valor de 1,5 vezes o Indexante dos Apoios Sociais (438,81 euros em 2020).
Num ano em que milhares de pessoas perderam os empregos e meios de subsistência, muitos não estarão isentos de taxas porque em 2019 tinham rendimentos incompatíveis com os critérios da insuficiência económica.
Provedor pediu alteração
Em 2017, o então provedor de Justiça recomendou ao Ministério da Saúde a alteração das condições de acesso à isenção do pagamento de taxas por insuficiência económica. José de Faria Costa pediu, entre outras alterações, o estabelecimento de "um mecanismo de salvaguarda que permita conferir o tratamento justo a situações de repentina quebra de rendimento". A ACSS disse nada ter a referir sobre a recomendação da provedoria e esclareceu que a legislação não prevê exceções como pedidos de isenção com base nos rendimentos do ano em curso.
Embora não tenha sido analisada a redução, fonte da ACSS explica que estará relacionada com o facto da pandemia ter afetado o funcionamento dos serviços públicos e de os utentes não conseguirem ou não quererem deslocar-se aos locais onde recolhem a documentação para pedir a isenção. Por outro lado, diz a ACSS, o facto da maioria das taxas nos cuidados primários terem sido eliminadas em 2020 terá suscitado menor interesse e preocupação dos utentes com as isenções.